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Mamma

Mamma

Mamãe, mamãe, mamãe…
o avental todo sujo de ovo…

Eu não lembro bem a música, tenho a impressão que era de um tipo meio brega, bem sentimental, feita para exaltar qualidades daquelas que são unanimidade no coração de todos, as Mães. Devia ser uma sexta-feira, o fim de semana era Dia das Mães, eu tinha sete ou oito anos, acho que estava no segundo ano do antigo primário e, seja pelos acordes emotivos ou pela saudade de casa, fui surpreendido por uma torrente de lágrimas e soluços tão intensos que foi necessário interromper a música e ser atendido carinhosamente pela professora. Minha emoção era muito maior que a vergonha de chorar diante dos colegas de classe que, entre assustados e surpresos, divertiam-se com a cena. 

Um deles, chamava-se Raul, um desses amigos que fazemos nos primeiros anos de colégio, simpatizamos mas somos separados pelas futuras divisões das classes e turnos escolares, acompanhando a trajetória um do outro até onde é possível. Acabam nos marcando de alguma forma e ele, neste caso, tornou-se inesquecível para mim com o seguinte comentário: – Mas você deve ter aprontado muito para estar arrependido assim!

Olhei para ele ainda com a visão turva, sem entender o significado de suas palavras. Eu nunca havia feito nada tão errado assim, nem poderia naquela altura da vida. Eu simplesmente a amava completamente, como todo filho ama sua mãe. E a amei por toda vida, como amo até hoje. Tivemos nossos altos e baixos, ambos taurinos, cheios de razão. Tive minha adolescência com suas dúvidas e inseguranças, uma pós-adolescência conturbada, típica da época, ávido por expandir os limites do que era formalmente estabelecido. Trabalhamos juntos, fomos sócios por grande parte de minha vida profissional e, muitas vezes, perdemos a paciência um com o outro. Mas esse vínculo inquebrantável que une duas pessoas que se amam sempre esteve aí. Por que?

Não sou melhor do que ninguém, não posso afirmar que amei mais ou menos. Cada um sabe o que sua mãe representa em sua vida, não é possível comparar. Ela é a porta de entrada para este mundo e isso já deveria ser suficiente para explicar tudo. Meu pai veio alguns anos antes para o Brasil, com o ofício de marceneiro e a cabeça inundada de sonhos. Minha mãe chegou depois, com duas filhas pequenas e os pés plantados na realidade. Dessa separação momentânea, cheia de queixas, mágoas e muita nostalgia, porque minha mãe ainda não conhecia a palavra saudade, eu vim ao mundo.

Era uma noite fria de julho, não tão fria quanto as noites rigorosas do inverno europeu, mas suficientemente fria para a necessidade da junção de corpos aquecidos pela paixão, ainda que reprimida. Biologicamente meu pai amou minha mãe, inundou-a com seu desejo e ela, receptiva, no momento certo do seu ciclo, me aguardava em seu único óvulo. Eu nasceria 9 meses depois. Há muitas teorias sobre o início da vida, católicos entendem que é a partir do momento da fecundação, os islâmicos entendem que é após algum tempo. Os judeus acreditam que não ocorrendo o nascimento o espírito do feto volta para Deus. Os espíritas entendem que o espírito vem ao corpo a mando de Deus e tem uma missão para com os futuros pais. Ciência e religião divergem sobre o momento em podemos ser considerados um ser humano, mas eu sou vida a bilhões e bilhões de anos, muito antes da existência do espaço, do tempo e de tudo. Sabia que essa era minha chance e tinha que aproveitá-la.

Consciência plena, pus-me a correr em direção a essa promessa de vida e segurança, deixando para trás companheiros da viagem intrauterina. Com muito esforço cheguei a essa massa enorme de alimento e guarida. Ao contrário do que alguns pensam, chegamos vários de nós mas somente eu fui aceito e acolhido. Em pouco tempo nos fundimos, nos dividimos e nos multiplicamos freneticamente, construindo um terceiro indivíduo a partir de nós mesmos. Ligado à minha mãe por um cordão, dela recebi tudo o que necessitava para evoluir, desenvolver minha humanidade física e crescer. Meu mundo ia ficando cada vez mais apertado à medida que o tempo passava e chegou um momento em que as leis da física foram imperativas e era necessário que dois corpos não ocupassem o mesmo lugar no espaço.

Fui expulso, expelido, daquele lugar quente e acolhedor, repleto de paz e amor. É necessário um esforço gigantesco, de ambas as partes, mãe e filho, para um bebê aterrissar neste mundo. O maior e mais potente foguete já construído é uma simples biribinha perto do nascimento. Há muito querer envolvido, muita força e paixão, absoluta confiança e total agradecimento. Em meio à dor, sangue, suor e lágrimas de alegria, o cordão que nos alimentava e sustentava é cortado, dando início à minha grande aventura. O primeiro gole de ar sorvido, é um enorme salto no escuro, tomado de incerteza e pavor, sem garantia alguma de que encontraremos terra firme e apoio. Por temor ou obrigação, esperança ou falta de opção, inspiramos desesperadamente o ar bendito, inflamos os alvéolos pulmonares cheios de vida e expiramos uma prece de agradecimento por tanto cuidado e bondade.

E assim seguimos, inspirar e expirar, confiar e agradecer, por toda a vida nesta Terra, por toda a existência, trazendo em nossos corações esse laço, essa lembrança da união, de uma vida compartilhada por alguns meses, de um período milagroso onde essa energia criadora se manifesta em toda sua compaixão. Se você está lendo isto é porque teve uma mãe, um ser de luz que possibilitou a sua experiência deste mundo. Ame sua presença, ame sua lembrança, simplesmente ame.

CaMaSa

Pascoal

Naquele fim de tarde de sexta-feira da paixão, quando minha mãe foi me buscar no colégio Dom Bosco, me encontrou de mãos dadas com aquele padre jovem e simpático. Eu estava com os olhos inchados de chorar e o padre explicou para ela o que havia se passado durante a exibição do vídeo da Paixão. Trocaram sorrisos cúmplices e despedidas, e voltamos calados para casa. Quando chegamos à comodidade e segurança do nosso lar simples e modesto, minha mãe me abraçou ternamente e perguntou porque eu havia chorado? Tentei explicar mas a emoção tomou novamente meu peito de assalto e as palavras começaram a rolar umas sobre as outras, engasgadas e confusas.

A Mãe, afagando carinhosamente meus cabelos, começou a me explicar o significado de todo aquele tormento, mas que eu não me preocupasse porque no domingo, de Páscoa, esse homem tão bom ressuscitaria, trazendo esperança para todos os homens! Que se eu acreditasse nisso de coração, no domingo pela manhã eu teria a prova, ganhando um grande e saboroso presente! 

Ouvi aquilo com ouvidos destampados e olhos arregalados… Como poderia alguém renascer dos mortos? Ela mesma, e todos que me cercavam, viviam gritando para mim: – Cuidado menino, sai de perto do balcão! Olha o carro! Cuidado pra atravessar a rua! Quer morrer? Se morrer, nunca mais vai jogar bola, chupar bala e sorvete! A verdade é que fiquei muito contente pelo Homem Bom, mas confuso como passarinho que caiu do ninho! Além disso, o tio do Alvinho, meu amiguinho da rua, tinha morrido de tanto tossir e nunca mais ninguém viu ele por estas bandas! Teve também o caso muito triste do cachorro da Dona Candinha, companheiro inseparável, cheio de truques de saltar, andar sobre duas patas, dar cambalhotas, tudo por causa de umas bolachinhas. Um dia, durante uma exibição rotineira diante de uma plateia de crianças sujas do pó da alegria da rua e olhos ansiosos para ver o mesmo truque sendo repetido pela enésima vez, o vira-lata preto e branco de rabo cortado fingiu-se de morto pela última vez.

Perguntei para a Irmã mais Nova que correu atrás de mim com a vassoura com a qual ela tinha acabado de varrer o piso da sala e eu estava sapateando com os sapatos sujos. Depois tentei a Irmã mais Velha que pacientemente me deu uma explicação longa e comprida, cheia de palavras difíceis que eu não entendia. Disse também para que eu não me preocupasse porque no dia seguinte, Sábado de Aleluia, a justiça seria feita pois seria “malhado o Judas”, o homem que havia traído o Homem Bom. Fui dormir com a esperança que nessa malhação eu pudesse encontrar algumas respostas e, principalmente, no domingo eu tivesse a prova do renascimento, ganhando o tal presente.

Acordei no sábado bem cedinho e corri pra rua engolindo rapidamente o leite com Toddy e o pão com manteiga Paulista. A rua estava tomada por um burburinho diferente, uma excitação em torno de um boneco engraçado, parecendo um espantalho. Haviam juntado roupas variadas, cada um trouxe uma peça, calça, camisa, paletó e chapéu, tinham arranjado até uma gravata de bolinhas vermelhas, dando ao boneco uma aparência muito distinta! Costuraram firmemente as barras das calças e os punhos da camisa, e enchiam o interior com palha e jornal picado até que a figura ficasse completamente gordo e estufado. A cabeça era improvisada por uma velha bola de plástico, tão velha que a pintura dos hexágonos pretos imitando bola de capotão já haviam desaparecido. No seu lugar haviam pintado olhos, nariz e boca, uma franja rala, dando ao rosto improvisado uma aparência boba, de quem não estava entendendo o que se passava.

Penduraram o boneco no poste de concreto dos fios da Light, recém plantado na rua, e o cercaram com tacos de madeira e ferro, num alarido crescente de excitação. Quando o Sol já estava quase a pino, com a sombra do poste escondida sob ele mesmo, o Seo Pafúncio, dono da fábrica canetas tipo Bic, da Rua Luiz Gama, subiu numa escada de madeira e despejou querosene sobre o boneco Judas, que ficou completamente encharcado. Com a turba de adolescentes e crianças afastada em segurança pelos mais adultos, ele ateou fogo no infeliz, lançando sobre ele um fósforo aceso.

Todos urravam de prazer vendo aquelas roupas cheias de palha e papel arderem numa enorme bola de fogo. Depois de um tempo o fogo diminuiu de intensidade e os mais valentes se aproximaram e se puseram a espancar o boneco queimado, até que ele caiu no chão inerte. A pancadaria aumentou, com pancadas e chutes vindos de todos os lados. Um desses golpes atingiu a cabeça bola de futebol que saiu rolando pela rua, atravessando-a, em minha direção. Parou bem diante dos meus pés, toda chamuscada e deformada, num sorriso triste de quem pede perdão com toda sinceridade e coração. Perdoei, na esperança de que no dia seguinte aconteceria o tal milagre da Ressurreição, como havia me repetido duas centenas de vezes minha Irmã.

No domingo pela manhã acordei com os gritos e palmas da Irmã mais Nova, que pulava em volta da mesa da cozinha, em cujo centro havia um enorme ovo de Páscoa embrulhado num brilhante papel celofane vermelho, preso por fitas coloridas num laço. O Pai havia comprado ou ganhado numa rifa, não sei, mas o seu sorriso de satisfação ao ver nossa alegria, tornou-se inesquecível para mim. Não faço a menor ideia do tamanho ou peso real daquele tesouro. Para mim, à época, era o maior ovo de chocolate que eu jamais havia visto! Tenho a impressão que eu poderia entrar dentro dele para comer as centenas de bombons ali guardados. Lembro que somente o rígido controle da Mãe pode mantê-lo afastado de nossas bocas vorazes por muitos meses, mas que na verdade como eu não tinha a menor noção de tempo naqueles tempos, podem ter sido só alguns dias. Naquele domingo comi mais chocolate do que havia comido em toda minha vida até então, e fui dormir com a barriga cheia de cacau e açúcar, completamente esquecido do Homem Bom e sua ressurreição.

Naquela noite tive um sonho fantástico! Eu era um jovem de 16 anos, quase adulto para o padrão da época em que o sonho aconteceu. Eu vivia numa região desértica e arenosa, cercado de pessoas que falavam uma língua estranha, mas que eu compreendia completamente. Minha família e os que nos eram próximos discutiam de modo sigiloso, quase sussurrando, os últimos acontecimentos e a morte por crucificação daquele que era tão amado e querido. Eu e o primo Efraim tínhamos subornado os guardas romanos na porta do túmulo e levado o corpo dali. Seria preparado com todo respeito e carinho e enterrado longe, num lugar secreto onde somente aqueles que o amavam saberiam onde era. Já era domingo, todos ainda choravam sua ausência quando uma pequena criança, nos seus 6 ou 7 anos, pôs-se a falar e consolar a todos. Explicou que aquele que se fora estava vivo e eternizado em nossos corações, que celebrássemos pois o Mestre estará sempre, em sua forma humana, junto aos seus discípulos, para todo o sempre.

Algumas das pessoas presentes acusaram o menino de blasfemo e lhe viraram as costas, mas outras reconheceram em suas palavras e em seu olhar a mesma sabedoria e doçura daquele que os deixara. Seguiram seus passos e ensinamentos, agora discretamente sem chamar a atenção dos inimigos, interessados somente na Verdade guardada em segredo no peito. E assim tem sido de geração em geração, ao longo dos séculos, o encontro do Mestre e seus discípulos para aqueles que pedem com o coração de uma criança e, sinceramente, desejam ter seu Conhecimento.

CaMaSa

Coube

Coube

 

Coube a mim 

em meio à guerra

de ásperas palavras

e tiros de canhão

soprar os frutos 

dos dentes de leão

mensagens de paz

levadas pelo vento

até tocar o coração

 

Coube a mim

viver o sonho

da real liberdade

justa em igualdade

rica de fraternidade

pois na realidade

em todo universo 

humanos de verdade

somos somente nós

 

Coube a mim 

pintar sentimentos

com letras e palavras…

CaMaSa

Essencial

Essencial

 

Juntando tudo que é dito,

o homem, o amor e o ódio, 

a mulher, a fortuna e a fé,

pedras, as pegadas no pó,

a história e tudo já escrito.

 

Juntando tudo que é orado,

pensado, cantado e rezado,

todas as coisas da natureza, 

o bem e o mal, dor e tristeza,

água e fogo, feiúra e beleza.

 

Juntando a derrota da guerra,

a luta do irmão contra o irmão,

onde todos perdem a vitória,

um vence o outro sem glória,

tão perdidos de si, sem noção.

 

Juntando os menores seres,

formigas, macacos e baleias,

oceanos gigantes e as areias,

os maiores, o Sol, as estrelas,

o tempo e o universo infinito.

 

Tudo somado e eternizado,

não vale esses três segundos 

entre o ar inspirado e exalado,

momento onde reside a vida, 

divino presente abençoado.

CaMaSa

Amo mais

Amo mais

 

Admito, não é você 

quem eu mais amo,

são muitos amores, 

filhos, mães e pais,

amigos e ancestrais, 

netos e netas e mais,

e até, quem sabe, 

quem eu amo mais!

 

Mas se a mim perguntam

quem é o mais importante,

nesta passagem imediata?

 

Digo com toda sinceridade,

você me ensinou liberdade,

me acalmar num rio de paz,

me mostrou toda a verdade,

viver consciente a realidade,

respeitar e amar tudo e todos,

mostrou que a vida é morte,

e a que morte é vida infinita,

num lugar dentro de mim…

 

Com você, na real, eu amo mais.

CaMaSa