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Flores da Sé

A temperatura estava amena, entre 22 e 24 graus centígrados, com poucas nuvens no céu. A Praça da Sé estava absolutamente limpa e cheirosa, com aroma de maçã, pêssegos, jabuticabas e tantas outras frutas que lotavam os galhos das árvores ali plantadas. Enchendo ainda mais o ar puro e fresco com aromas diversos, floresciam por todo canto álissos, madressilvas, rosas, cravos, lavandas, gardênias, jasmim-dos-açores, manacás-de-cheiro e jasmins-da-noite entre outras flores. O calçamento impecável de pedras portuguesas, brancas como leite e pretas como piche, sem um única falha, ideal para os passeios familiares e flertes juvenis, harmonizava-se com o projeto arquitetônico composto de jardins, passarelas e espelhos d’água enfeitados por monumentos. Eram tantos e tão bem cuidados que faziam da praça um museu a céu aberto. Tudo incrivelmente limpo e perfumado! Mas a que preço?

A Praça da Sé é um espaço público localizado no bairro da Sé, no distrito homônimo, no Centro do município de São Paulo, no Brasil. É considerado o centro geográfico da cidade. Nela, localiza-se o monumento marco zero do município. A partir dele, contam-se as distâncias de todas as rodovias que partem de São Paulo, bem como a numeração das vias públicas da cidade. Considerada quase um sinônimo para o Centro Velho, a praça é um dos espaços mais conhecidos da cidade e foi palco de muitos eventos importantes para a história do país. A praça abriga diversos monumentos e esculturas, entre eles o célebre Marco Zero no centro da praça e que indica o “coração” da cidade de São Paulo. À frente do Marco Zero, encontra-se o monumento a José de Anchieta, fundador de São Paulo e “Apóstolo do Brasil”, inaugurado em 1954 por ocasião do quarto centenário da cidade. Com a reforma de 2006, a praça recebeu diversas novas intervenções artísticas, de maioria abstrata; entre elas as esculturas “Condor” e “Diálogo”, entre outras. As esculturas foram espalhadas pela praça, e interagem com o espaço reformado. Apenas em 2009 foi instalada na praça um monumento em homenagem a São Paulo, apóstolo de Jesus e santo que dá nome da cidade.

Há um fluxo constante de turistas, de várias partes do país e do mundo, sempre fazendo questão de tirar uma foto ao lado do marco zero, de costas para a Catedral da Sé. Esta era em si um espetáculo à parte, com seu estilo neogótico. A catedral atual foi construída por iniciativa de Dom Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo. Os trabalhos começaram em 1913 no local da catedral colonial demolida. O arquiteto responsável foi o alemão Maximilian Emil Hehl, que projetou uma enorme igreja em estilo eclético, por possuir vários elementos de estilos distintos, como a cúpula e o arco ogival, mas que predomina claramente o neogótico, inspirada nas grandes catedrais medievais europeias. Todos os mosaicos, esculturas e mobiliário que compõem a igreja foram trazidos por navio da Itália. Entretanto, devido às guerras mundiais, houve grande dificuldade para se concluir a obra. Assim, a inauguração da nova catedral ocorreu somente em 1954, com as torres ainda inacabadas, mas a tempo para a celebração do quarto centenário de São Paulo, no dia 25 de janeiro. As torres foram inauguradas em 15 de novembro de 1969. As obras foram tocadas inicialmente por Alexandre Albuquerque, e, a partir de 1940, por Luís Inácio de Anhaia Melo.

Era impossível não admirar a beleza da construção e o cuidado com a manutenção da igreja. Tudo nela brilhava de limpeza e cheirava a assepsia. Mármores, bronzes, mosaicos e madeiras absolutamente bem conservados e agradáveis de se olhar. Era a cereja do bolo da praça e ambas irradiavam uma sensação de paz, tranquilidade e segurança por todo o entorno composto pelas ruas e avenidas que a cruzavam ou ladeavam: Rua Anita Garibaldi, Avenida Rangel Pestana, Rua Roberto Simonsen, Rua Venceslau Brás, Rua Irmã Simpliciana, Rua Santa Tereza, Rua Floriano Peixoto, Rua Boa Vista, Rua 15 de Novembro, Rua Direita, Benjamin Constant, Rua Senador Feijó, Praça Doutor João Mendes, Rua Conselheiro Furtado e Rua Tabatinguera. O mesmo sentimento espalhava-se pelos bairros adjacentes, por toda cidade, pelos municípios próximos, por todo o Estado de São Paulo e demais unidades da Federação, por todo o Brasil e demais países do planeta. Mas nem sempre foi assim…

Quando eu era pré-adolescente, por volta dos 12, 13 anos, costumava ir até o centro com meu amigo Gordinho. Tomávamos o ônibus quase na porta de casa, na Mooca, e descíamos no ponto final, na antiga Praça Clóvis, ao lado da Praça da Sé. Nosso objetivo era atravessar a praça, pegar a Rua Direita até a Praça Patriarca, atravessar o Viaduto do Chá, contornar o Teatro Municipal, seguir pela 24 de Maio até a Avenida Ipiranga e chegar no Cinema Marabá para assistir aos filmes de aventura e ação. Tinha também o Olido, o Metrópole, Comodoro, Marrocos, Metro, Regina e Ipiranga. Salas clássicas, cinemões de arquitetura e programação variadas, para todos os gostos. Passeávamos por toda região com bastante segurança, via-se meia dúzia de pedintes, de alguns já se sabia até os nomes. As pessoas que por ali circulavam estavam a trabalho ou passeio, para comprar ou vender, atender ou ser atendido. 

Era o início dos anos 1970 e as dificuldades da época pareciam ser contornáveis, passíveis de solução. Mas o que se viu dali para frente foi uma espiral de problemas, locais e mundiais, em todos os níveis. Crises e mais crises político-sócio-econômicas foram se acumulando, agravadas pela poluição e esgotamento de recursos naturais, gerando conflitos sem precedentes. Em alguma décadas as populações de países inteiros se viam obrigadas a iniciar ciclos migratórios sem rumo certo, na esperança de sobrevivência. A concentração de riquezas e o poderio econômico criaram um cenário composto por avanços tecnológicos e luxo em contraste a hordas de famintos e desprovidos das mínimas garantias. O Brasil não estava livre disso e, no início de 2020, me lembro de ter voltado ao centro da cidade após muito tempo. Era estarrecedor a quantidade de lixo, sujeira e pessoas vagando desnorteadas pelas ruas históricas. Havia ainda muita atividade produtiva, com lojas e comércios variados e escritórios, mas a quantidade de indigentes espalhados pelo chão era proporcional à de pessoas ativas economicamente. Então aconteceu…

O ano de 2020 foi um marco na história da humanidade graças ao Corona, o vírus. No início daquele ano ninguém poderia imaginar as reais consequências que a rápida transmissão do vírus – apelidado de “coronavírus de Wuhan” – traria para todo planeta. O termo “coronavírus” se refere, na verdade, a um grande grupo viral formado por diversos vírus já conhecidos e identificados. O nome da família foi dado devido à forma desses organismos, que analisados em microscópios, têm a aparência de uma coroa. Os coronavírus são um grupo de vírus de genoma de RNA simples de sentido positivo (serve diretamente para a síntese proteica), conhecidos desde meados dos anos 1960. Pertencem à subfamília taxonómica Orthocoronavirinae da família Coronaviridae, da ordem Nidovirales. A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida. Eles são uma causa comum de infecções respiratórias brandas a moderadas de curta duração. Entre os coronavírus encontra-se também o vírus causador da forma de pneumonia atípica grave conhecida por SARS.

O coronavírus de Wuhan, no entanto, teve um desempenho letal devastador. A estimativa da população mundial era de cerca de 7.761 bilhões de pessoas. Aproximadamente ¼ da população mundial, pouco menos de dois bilhões de seres humanos perderam a vida, por relação direta ou indireta com a doença, em pouco mais de oito meses. Não houve critérios de seleção. Bastava ter cabeça, tronco e membros, mente e alma, bastava ser humano! Assim como chegou, desapareceu. Do nada! Milhares de teorias científicas e religiosas tentaram explicar fato tão apocalíptico, mas a verdade é que nenhuma se ajustou à força e violência, assim como à consciência e inteligência aplicadas à nova era imposta a partir de então. Todos os recursos passaram a ser disponibilizados para o bem comum, sem barreiras ou fronteiras, entre todos. A busca pela solução da doença deu início a um projeto de educação e saúde global, sem deixar de fora nem mesmo as pessoas vivendo nos lugares mais remotos e afastados, graças a toda tecnologia de comunicação disponível. Atingiu-se um nível de conhecimento globalizado, onde a vida humana passou a ser a prioridade. 

Hoje, passados quase 40 anos desse ano fatídico e inesquecível, os que sobreviveram à experiência mais traumática da história da humanidade, colhem o resultado do maior flagelo vivido pelo Homo Sapiens: o absoluto respeito pela natureza e ao próximo, como a si mesmo.

CaMaSa

Arnica e Babosa

Era uma dupla tão improvável quanto Sancho Pança e Dom Quixote ou, mais precisamente, Laurel & Hardy, já que o business era cinema e um era gordo e o outro era magro. Tinham cruzado seus caminhos desde tempos imemoriais e criado uma simbiose perfeita desde sempre. Ganharam os apelidos devido ao uso permanentemente contínuo de extrato de arnica, nome popular da espécie vegetal de nome científico Arnica montana, uma planta originária das montanhas da Europa e da Sibéria, utilizada há muitos séculos na medicina alternativa para o tratamento da dor e inflamação de diversas condições, e babosa, ou aloe vera, que ajuda a cuidar da beleza e da saúde e é muito conhecida por seus benefícios como efeitos calmantes, cicatrizantes, anestésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios, além de ser ótima para hidratar cabelos e pele. Ambas as plantas receitadas por uma senhora italiana muito sábia e muito confusa, na casa dos 90 anos. 

Arnica era forte, encorpado, gordão mesmo, com uma agilidade e vitalidade de bailarino. Vivia besuntado de extrato de arnica para aliviar as dores musculares constantes. Sua presença era sentida à distância, pelo tamanho e pelo cheiro! Tinha os pés fortemente plantados no chão, lidava com as coisas práticas e os problemas de produção de um filme independente realizado no Brasil. De coração e bom humor maiores que seu corpinho de 136 quilos espalhados por 1,80 mts de altura, tinha uma gargalhada pronta e fácil para os fatos mais corriqueiros. Falante, era companhia agradável e sempre requisitada, ao mesmo tempo que era hábil nos negócios mirabolantes que sua função exigia. Conseguia pregos e sofás, bicicletas e paraquedas, figurantes e atores globais. Locações em praças, restaurantes, bibliotecas, prédios públicos e fábricas gigantescas, sempre negociando um crédito, uma aparição de destaque da mulher, da filha, ou da amante de algum figurão local. Merchandising era seu sobrenome!

Babosa era o oposto complementar. Alto, era obrigado a olhar todos de cima dos seus 2 metros de altura, magro, bonito e sonhador, galante e envolvente, tinha a habilidade de seduzir com os olhos verdes e fazer as pessoas acreditarem reais suas quimeras, comandando pela empatia, não pela força. Tinha fortes entradas no alto da testa, massageadas frequentemente pela baba da planta babosa. Para ele o cinema era a Sétima Arte, com letras maiúsculas e devaneios gigantes como castelos de areia e ilusão. Acreditava no que imaginava com a força da realidade, muitas vezes vivendo com os pés neste mundo e a cabeça no outro. As barreiras e dificuldades do cotidiano faziam parte do seu filme, da sua história, e lhe cabia conduzir a todos que o cercavam pelos cenários imaginários de suas emoções. Confiava em todos de coração, sem julgamentos ou arrependimentos, já que todos faziam parte do roteiro pré-determinado escrito na adaptação de sua mente ao mundo real. Imagem & Ação era o seu sobrenome!

Aos dois juntava-se uma trupe completa de atores, principais e coadjuvantes, diretor de fotografia, de arte, cenógrafo, continuista, assistente de produção, assistente de direção, maquiador, fotógrafo, iluminador, catering, maquinista, operador de cabo e auxiliares diversos. Ninguém recebia salário, trabalhavam para compor currículo, num sistema ad exitum, caso o filme fosse lançado comercialmente e rendesse dividendos, ou por amor à Arte. Arnica garantia hospedagem e alimentação nos hotéis e restaurantes locais em troca de gravações de cenas nos ambientes da cidade e menções honrosas nos créditos finais da película. Ele, Babosa e os atores, normalmente se hospedavam nos melhores hotéis e a equipe técnica ficava nos hotéis mais simples ou nas pensões. Essa era a maneira de fazer cinema no Brasil sem dinheiro.

O roteiro do filme, criado pelo próprio Babosa, era uma obra aberta que ia se adaptando aos cenários locais disponíveis, ao sabor do clima, do dia e da noite. Havia o momento de gravar a cena do encontro entre a mocinha e o galã que normalmente dava início a todo processo de filmagem numa localidade. Montavam o aparato com câmeras e microfones, trilhos, pedestais, cabides com figurinos, cabos e lâmpadas. Mais ou menos como levantar a lona de um circo mambembe. Cercavam a área com fitas amarelas e todos se posicionavam sob as ordens do diretor: – Atenção! Silêncio no set. Gravando…

O casal caminhava por uma rua enluarada, conversavam sorridentes trocando palavras decoradas e olhares enamorados. Ninguém emitia um som, o silêncio era estelar e a iluminação realçava a beleza do momento. O câmera acompanhava a cena com o seu equipamento deslizando sobre trilhos, empurrado, lentamente, por um ajudante agachado. Babosa olhava o resultado captado num monitor e interrompia uma e outra vez, dando conselhos e orientações carinhosos aos protagonistas, pedindo para que refizessem a tomada novamente… e novamente… e novamente…

Os moradores se aproximavam curiosos, desconfiados e depois fascinados. O que era aquilo? Era um teatro? Televisão? Não, cinema… Ficavam olhando admirados, boquiabertos, e logo a notícia corria, se espalhava como fogo em capim seco. Homens, mulheres, jovens e crianças de colo cercavam o local num alarido estridente e incontrolável. Arnica fazia valer o corpanzil e, com voz de tenor, exigia silêncio, sabendo-o impossível. A isca já havia sido engolida com anzol e tudo, e o peixe já estava no papo. Não que houvesse má intenção da parte deles. Era uma troca. Davam àquela gente um motivo de interesse, alegria e diversão, para receber acolhimento e atenção especial. 

Nem sempre eram bem recebidos! Certa vez chegaram numa localidade esquecida no norte de Minas Gerais, cansados e famintos. Montaram o set antes de fazer contato com as autoridades do município e foram interrompidos, ao iniciar os trabalhos, pelo delegado local que chegou do nada acompanhado de um sargento numa viatura de polícia, uma Chevrolet Veraneio branca e preta, diretamente saída dos anos 70! De óculos escuros, camisa listrada de golas largas e cabelo esticado de lado com algum tipo de goma oleosa e brilhante, o delegado Soares irrompeu a cena exigindo explicações. Acalmou-se quando explicaram o que faziam ali e, inclusive, incluiriam a ambos, o Soares e o sargento Bororó, na cena de ação que acabava de ser incorporada no roteiro e seria filmada naquele exato momento. Fizeram parte das filmagens naqueles dias também o Prefeito Apolinário, a primeira dama Risoleta e suas duas filhas, Mariluce e Ritaluce, o Padre Anésio e dois coroinhas, 4 beatas e, ainda, três bêbados no papel de bandidos. Hospedaram-se espalhados por todo vilarejo, na prefeitura, na igreja, no jornal de oposição local e no estábulo municipal, de acordo com a hierarquia da equipe.

Repetiam o processo a cada cidade, colhendo cenas de amor, paixão, ódio e vingança nos ambientes mais diversos e inusitados. Ruas e ladeiras, lojas de grifes e hospitais. Nos rios e cachoeiras, nas fazendas, ordenhando o leite ou colhendo o café. Usavam diversos sotaques e línguas, num painel cultural que contemplava todos os povos. Gravavam cenas de dança de salão em restaurantes com música ambiente. O conjunto, os garçons e os clientes faziam papel de figurantes, todos animadíssimos com a possibilidade de aparecer na tela gigante dos cinemas do país e, quem sabe, do mundo! Nesses momentos, todos comiam, bebiam e brindavam ao filme e aos prêmios nacionais e internacionais que ganharia. Gramado, Berlim, Cannes, o Oscar… Não havia limite para as possibilidades de sonho que estavam tornando vivas ali, naquele pedaço abençoado de mundo, com a colaboração de todos.

No fim dos trabalhos, despediam-se de todos, muitas vezes com discursos acalorados e bandas de música. Saíam da cidade com o carro e a camionete carregados de equipamentos e presentes, comida e bebidas, galinhas e ovos, queijos e linguiças. Ganhavam frutas e espigas de milho, cocadas e doces de leite, pães, broas e bolos, compotas e leite de cabra. E pinga, muita pinga, porque o interior do Brasil é movido a álcool, energia limpa e renovável. Deixavam para trás boas lembranças, paixões e amores, vez ou outra um filho. Seguiam adiante na direção que soprava o vento e o sol se punha, para retomar a rotina na próxima cidade, gravando cenas e mais cenas sem fim, com personagens de carne e osso, feitos de sonhos reais e esquecidos. Filmando onde houvesse uma praça, um coreto ou uma estória de amor, com uma pitada de mistério.

CaMaSa

Linda

Linda era todas as mulheres e todas as mulheres eram Lindas.

Linda não era linda. Também não era feia. Era uma moça normal com seus encantos. Não era gorda nem magra, alta nem baixa, rica nem pobre, nem muito jovem nem muito velha. Não tinha sorte no amor, nem no jogo, mas tinha o dom de trabalhar de graça como ninguém mais neste mundo! Passava seu tempo em atividades e serviços voluntários virtuais. Arrecadação de fundos para a reforma da pracinha do bairro, sopão para moradores de rua e convidados, com direito a banho e tosa dos pets, coral de igreja e bingo beneficente. Organizava arrecadação de fundos para creches, escolas e hospitais. Cuidava da logística para coleta de roupas, comida e produtos de higiene. Nada pessoal e analógico. Ela era, na maior parte do tempo, virtual. Do mundo tecnológico dos blogs e redes sociais vinha sua interação com as pessoas.

Os pais preocupavam-se mas, filha única que era e cheia de personalidade, fazia somente o que bem entendia e queria. Nada de negativo porém, que pudesse causar algum problema ou constrangimento, afinal tivera uma sólida formação familiar. Era só o fato de tudo ser virtual mesmo. Depois da escola elementar, 1º e 2º graus, nada de faculdade ou cursos presenciais. Fez cursos de História, Letras, Acupuntura, Informática, Bolos decorados, Psicologia animal e Jornalismo, todos virtuais. Aprendeu Patchwork com sacos plásticos, Artesanato tupi-guarani com plumas de galinha, pomba e peru, construção de computadores pessoais, tablets e smartphones com sobras de televisores e rádios de pilha, além de plantação de milho, feijão e cana-de-açúcar em copos descartáveis e garrafas pet. Formou-se Doutora Honoris Causa em Direito internacional dos ruivos nascidos no Afeganistão, churrasqueiros da província de Karnataka na Índia e fãs dos Beatles na Coréia do Norte. Muitas das causas defendidas não tinham aplicação prática alguma, mas sua capacidade nessas áreas era impressionante! Fez faculdade de Medicina Ortomolecular Psiquiátrica Nervo-ósseo-muscular virtual, especializando-se em operações cranianas à distância através de celular analógico. Não encontrou, até o momento, paciente que aceitasse realizar uma auto-operação recebendo as instruções através do seu Startac Motorola! 

Teve algumas paixões juvenis na adolescência sem maiores consequências. Tinha queda pelos fracos, oprimidos e desajustados. Apaixonou-se, platonicamente, pelo Alípio, filho da professora de matemática, que era usado pelos meninos da classe como apagador de lousa. Ele chegava na sala de braço dado com a mãe, com o blusão azul marinho do colégio brilhante de limpeza. Era magro e franzino, tinha o nariz adunco realçado pela cara fina, os cabelos lisos e loiros divididos ao meio e os olhos assustados como de um passarinho. No fim da aula, o quadro estava exaustivamente preenchido a giz por problemas que deveriam ser entregues resolvidos no dia seguinte. Irados, os garotos descontavam a frustração no pobre Alípio, que era erguido de ponta cabeça por meia dúzia de colegas e esfregado sem dó por todo quadro negro. A lousa ficava limpinha e seu blusão branquinho de pó! Linda não saia para o recreio e ficava com ele, em silêncio, batendo o giz do blusão. Olhava em seus olhos verdes, tristes e úmidos, e lia a alma de outro ser humano como ela, carente de atenção e carinho. A paixão terminou quando a professora foi transferida para outra cidade e levou junto seu filho.

Assim era Linda, um pouco como eu, um pouco como você, um pouco como todas as moças sonhadoras. Mais adulta, sem amigas reais de verdade, era um sucesso nas redes sociais! Triste e introvertida no trato pessoal, era divertida e expansiva no Twitter, no Facebook e no Instagram, no YouTube. Fazia amizade facilmente, seguia e era seguida por uma legião de colegas virtuais. Não fazia disso um meio de ganhar prestígio ou dinheiro, apenas buscava ajudar, ensinar, aprender e fazer amigos. Evitava política, polêmicas e chatos, que bloqueava sem perdão. Participava de enquetes e concursos, divulgava produtos de boa qualidade que tivesse testado e aprovado. Virou uma referência para quem quisesse comprar uma roupa, um sapato, um celular, um relógio ou um bom vinho. Um like seu num livro ou numa marca de iogurte significava milhares de vendas a mais. Um comentário negativo sobre uma loja virtual, por atraso na entrega de um produto ou pela baixa qualidade do atendimento via chat, exigiria desculpas pessoais dos proprietários das empresas e readequação das áreas problemáticas. Nem ela entendia como havia chegado a esse nível de influência, mas ocupava-se de todos os detalhes com extrema eficiência e responsabilidade.

Suas muitas amigas virtuais a procuravam para receber dicas variadas de moda e maquiagem, filmes, teatro e restaurantes, points para ver e ser vista. Tratava todas com muito carinho e atenção, jamais repetindo um modelo de vestido de festa ou a indicação de um bom partido para mais de uma futura esposa. Tornou-se tão entendida de casamentos e cerimônias que passou a ser consultada pelos noivos, futuros maridos, também. E foi assim que conheceu Bello e conheceu o amor.

Bello era extremamente belo e tinha a beleza extraordinária amplificada pelas redes sociais. Saia bem na foto, no filme, no sol ou na chuva, de jeans, de terno, de sunga. Malhava na academia particular de sua casa, brotando gotas de suor brilhantes sobre a pele bronzeada. Nadava na raia olímpica de sua piscina particular e se deixava admirar através das câmeras de vídeo espalhadas por pontos estratégicos de sua mansão nos jardins. Único herdeiro de 36% do maior banco particular do país, tinha a totalidade de suas necessidades atendidas pelo que havia de mais avançado em tecnologia. Não saía de casa por motivo algum, encomendando comida e bebida, roupas e acessórios, qualquer coisa que necessitasse online, inclusive serviços de qualquer espécie. Vivia completamente satisfeito em sua reclusão, até que conheceu Linda e conheceu o amor.

Duas pessoas tão especiais não viveriam uma paixão como eu e você, e a maioria dos mortais. Conheceram-se meio por acaso, navegando entre um tweet e uma selfie, um like e um share, até que de repente rolou um direct… 

Sem expectativas de início, logo se perceberam muito iguais em vários sentidos. Os emoticons foram evoluindo rapidamente de um simples positivo para risadas e gargalhadas até que, virada toda uma noite, despediram-se com corações vermelhos. Marcaram um encontro, virtual, para aquele mesmo dia, à noite, e passaram longas horas de apreensão pontuadas por mensagens dispersas aqui e acolá ao longo de toda manhã e tarde. Quando retomaram o bate-papo sentiam-se velhos conhecidos de grande intimidade. Com o passar dos dias foram se aproximando cada vez mais, até que resolveram assumir a relação para o mundo. Foi um tremendo burburinho nas redes sociais, com 90% exultantes com a união de sonho dos dois ícones virtuais, e 90% vertendo rios de lágrimas pela perda de partidos tão interessantes e tops. 

O casal passou a fazer tudo junto, cada um diante do seu iPhone, seu MacBook ou seu iMac. Cada um em sua casa, pois o que realmente os atraía tão intensamente era a certeza de que seguiriam virtualmente suas vidas, agora um em companhia do outro. Liam notícias e livros, assistiam filmes e séries, comiam pratos especiais acompanhados de bons vinhos, sempre próximos mas separadamente. Passavam noites inteiras se amando, ora loucamente com urgência e sofreguidão, ora mansamente com carinho e paixão, conduzindo um ao outro pelos seus corpos, com total conhecimento da necessidade e carência de cada um. Quem mais neste mundo poderia estar vivendo uma relação tão profunda e perfeita? 

O pedido de casamento era inevitável e aconteceu da forma mais romântica e ao mesmo tempo mais festejada. Foi um acontecimento de proporções tsunâmicas, abalando as estruturas das redes. Top trends do Twitter com milhões de retweets, tirou do ar o Face e travou o YouTube. Bello escolheu seu melhor ângulo, dividiu a tela com Linda, e transmitiu a nota fiscal do anel de brilhantes pelo WhatsApp. Mas infelizmente o matrimônio ficou só no pedido! Descobriu-se que Bello era fake, não existia no mundo real, era só uma invenção de um garoto de treze anos…

Linda despencou. No Face, no Insta, no Twitter, no YouTube… se ainda existisse Orkut tinha caído em desgraça também! Entrou em depressão mas não encontrou ajuda virtual. Sem o otimismo radiante perdeu o crédito junto aos anunciantes e seguidores. Aos poucos foi se desligando dos aparelhos de comunicação e começou a fazer coisas simples que há muito não fazia. Tomou um café da manhã com os pais, passou manteiga no pãozinho quente e sentiu o cheiro bom de suco de laranja espremida na hora, ouviu a algazarra de maritacas verdes voando em bandos, apitos e buzinas ao longe. 

Sentiu vontade de sair para a rua, caminhar e espairecer. Não andou nem dez metros e distraída deu um baita encontrão num rapaz que vinha em sua direção. Ele a segurou pelos braços, era alto, forte e musculoso, e ela se sentiu cômoda naquela situação. Quando o encarou, pronta para se desculpar, reconheceu os olhos verdes de Alípio imediatamente. Ele também a reconheceu e, com os olhos cheios de uma alegria contagiante, disse-lhe que há tempos estava à sua procura e que tinha muitas coisas para lhe falar…

CaMaSa

O Sol do Interior

O Sol quebrava forte na roça, encharcando a terra de suor e trabalho, deixando-a mais roxa. A lida tinha início muito antes da noite terminar e só tinha fim quando o negrume do céu imperava. Ele era o oitavo filho dos catorze que a mãe trouxera ao mundo, por enquanto. Viviam amontoados no barraco de madeira, entre pais e filhos, em média dez pessoas, porque os mais velhos caíam no mundo e eram substituídos pelos que nasciam. Não havia dor na partida nem alegria no nascimento. Eram fatos comuns, como o Sol escondendo a Lua e as estrelas ou o feijão brotando do chão. Chamava-se Oitávio, era mais novo que o irmão Sétimo e mais velho que a irmã Nonia e começou a cavar o sustento aos cinco anos de idade. Da vida só conhecia o que as orelhas escutavam e os olhos enxergavam.

Ninguém saberia dizer há quanto tempo a família vivia naquelas bandas, provavelmente seus antepassados chegaram com os primeiros navios negreiros e foram adquiridos pelos grandes fazendeiros da região noroeste do Paraná. Quando os ares da libertação chegaram à região, alguns ex-escravos permaneceram por ali e herdaram, pelo uso contínuo e abandono dos proprietários, pequenos pedaços de terra onde plantavam a subsistência. Permaneceram isolados do mundo até a fundação do município de Santa Isabel do Ivaí, que teve sua fundação devida, sobretudo, aos diversos fluxos demográficos provenientes do Ciclo Cafeeiro do início do século XX no Estado do Paraná.

Entre 1948 e 1950, um grupo de desbravadores resolveu constituir uma companhia territorial com a finalidade de lotear e povoar a ‘Gleba 19’ da então ‘Colônia de Paranavaí’, justamente aproveitando o fluxo migratório provocado pela recente fundação desta. A empresa recebeu a denominação de “Companhia Imobiliária e Colonizadora Santa Isabel do Ivaí” por intermédio de um de seus gerentes ‘Alberico Marques Ferreira’, pois sua mãe se chamava Isabel e havia falecido naquele ano. O loteamento seguiu um plano técnico previamente traçado, iniciando-se com a venda das datas, acarretando no território um grande fluxo de migrantes tanto no perímetro urbano como na zona rural. Criado através da ‘Lei Estadual n° 253 de 26 de novembro de 1954’, o município foi instalado em 22 de novembro de 1955, desmembrado-se então de Paranavaí.

Alheio à história da nova cidade, Oitávio seguia a rotina familiar de sobrevivência nas zonas rurais apartadas do mundo urbano, arando, plantando e cultivando com as mãos cada vez mais calejadas o feijão, o milho e as raízes que o estômago pudesse digerir. Não tinha contato com ninguém além dos pais e irmãos, vivendo por conta dos parcos recursos, um severo código disciplinar de obediência. Uma das poucas diversões era a caça de passarinhos. Fazer armadilhas nas horas vagas, com varas de bambu atadas com fibras vegetais para pegar algum tiziu, era seu passatempo predileto. A mãe ralhava com ele, prevendo perigo.

Certa vez, não dando ouvidos à mãe, embrenhou-se no mato alto para caçar. Armou a arapuca no pé de uma árvore baixa e trepou num galho para aguardar uma presa. O dia ainda estava a uma hora de distância e logo a excitação transformou-se em cansaço. Cochilou por um breve instante, o suficiente para pender de lado e despencar de cima do galho. Caiu de cara na própria armadilha, rasgando a bochecha direita numa lasca de bambu. O corte largo abriu uma segunda boca ao lado da sua, jorrando sangue como das galinhas que sua mãe abatia com um golpe certeiro no pescoço. Correu para os pais, chorando e gritando apavorado, certo de que ia morrer. O pai o pegou no colo com um lençol enrolado na cabeça da criança e correu em disparada com o velho pangaré e o filho a tiracolo na direção do posto de saúde da cidade recém-criada.

Era a primeira vez que ele deixava sua casa e via outras construções, outras pessoas. Não foi a melhor maneira de conhecer outros seres humanos. Chorando e gemendo, assustado e envergonhado, submeteu-se aos procedimentos de urgência que os atendentes aplicavam com todas as dificuldades que os recursos mínimos do local criavam. Desinfetaram o local e costuraram o rasgo de 14 pontos da melhor forma possível, deixando uma cicatriz bem evidente e uma lição inesquecível. Na volta para casa, sob efeito dos anestésicos, pôde observar a cidade com suas casas e armazéns, praças e jardins bem cuidados. A topografia plana mostrava a construção mais alta do lugar, uma igreja e sua torre com não mais de quatro andares de altura, encimada por uma cruz. Chegou em casa temeroso da sova da mãe mas foi recebido por um abraço carinhoso. No dia seguinte retomou a rotina de trabalho, mas agora, sempre que podia, fugia para a cidade em busca de amizade e aprendizado, seguindo assim até os 17 anos, quando seu irmão mais velho, Segundio voltou para casa.

Era a primeira vez que um dos irmãos voltava para ver a família e este voltou falante e cheio de novidades. Trouxe lembranças simples para todos e até uma pequena quantidade de dinheiro para os pais. Contou que havia conhecido muitos lugares e estava estabelecido numa região próspera e montanhosa em São Paulo, nas proximidades de Minas Gerais. Deixou todos muito encantados, mas especialmente Oitávio, quando disse que lá se podia trabalhar debaixo da sombra servindo comida para as pessoas! 

Oitávio pediu permissão para os pais, despediu-se de todos e seguiu viagem com o irmão em direção a esse local encantado que tinha muitas possibilidades e um negócio chamado Hotel, que ele não fazia a menor ideia do que seria. Chegaram numa região aprazível e fresca, com muita água, de altos e baixos, muito diferente do perfil plano e achatado de sua terra natal. O tal Hotel era um prédio alto de 10 andares, cercado por várias construções incríveis e lagos de água azul, sem peixes, onde pessoas seminuas nadavam alegremente. Seu irmão o apresentou a diversos colegas e ao chefe, que o contratou como aprendiz, lavando pratos e panelas que vinham do imenso e movimentado restaurante. Aos poucos entendeu o funcionamento de tudo e passou a trabalhar como garçom, servindo comida e bebidas aos hóspedes, na sombra!

Conheceu muitas pessoas que vinham de todas as regiões do Brasil e do mundo, aprendendo sempre com cada um deles. Certa vez o escalaram para atender um cliente especial, que nunca fazia as refeições fora do quarto. Levou os pratos especialmente preparados sem carne e água mineral ao número da habitação indicada, tocou a campainha e aguardou. A porta foi aberta por um homem de estatura baixa, forte, de pele morena e traços orientais, lembrando um japonês. Soube depois que era da Índia, distante e místico país do outro lado do mundo. O hóspede, no entanto, falava inglês e Oitávio, com o que havia aprendido nos últimos anos atendendo estrangeiros, conseguiu comunicar-se com ele que, aliás, falava em letras de forma. Sentiu-se tão à vontade na presença de pessoa tão singular que não percebeu que já estava no quarto a mais tempo que devia. Isso não pareceu perturbar o hóspede que aparentemente estava lisonjeado com a situação e, para confirmar essa impressão, convidou-o para ver um quadro que estava pintando numa tela sobre um cavalete de madeira. Ele ficou surpreso com a beleza dos traços e cores do que parecia ser uma flor branca flutuando num fundo azulado.

De repente percebeu que sua hora já havia dado e despediu-se reverente, tocando a mão do outro com respeito e delicadeza. Comentou com os colegas sobre o homem que conhecera, mas ninguém o tinha visto ainda. Perguntando aos demais hóspedes, soube que ele faria uma palestra na cidade, em outro hotel, nessa mesma noite. Informaram também que o acesso era gratuito, que haveria tradução para o português, bastando somente se apresentar no local com antecedência para retirar os fones de ouvido. Curioso, pediu a um colega que o substituísse à noite, e seguiu para o local do evento de banho tomado e coração aberto.

No enorme salão, quase mil pessoas, a grande maioria hóspedes atendidos por ele no hotel, acomodavam-se nas cadeiras num rumor de expectativa agradável. Quando as luzes apagaram fez-se um grande silêncio, quebrado por uma explosão de aplausos quando o palestrante apareceu no palco. Humildemente ele pediu a todos que se sentassem e começou a falar de uma maneira incrivelmente simples sobre coisas complexas como a Vida, a Paz e o Autoconhecimento. Era tão claro que Oitávio tinha a impressão que nem precisaria usar o equipamento de tradução! Nas pausas de suas falas, o silêncio era total, numa atitude de muito respeito e admiração da plateia. Ao final, o orador despediu-se alegremente, deixando a todos com o coração leve e repleto de esperança.

O evento deixou Oitávio com um profundo sentimento de compreensão, uma luz solar interior a qual ele jamais tentou explicar para alguém ou para si mesmo. Entendeu a mensagem, aceitou o presente e guardou-o no coração como um tesouro muito valioso e único, só seu, mas que é expresso no tratamento que dispensa aos hóspedes, sempre amável e gentil.

CaMaSa

Século

Ele acordou com o som do despertador do celular indicando as 7h31m do dia 27 de abril de 2058. Há décadas se propusera esse horário para pular da cama, mas geralmente acordava antes. Não nesse dia. Foi o beep-beep intermitente do aparelho eletrônico que o tirou do mundo dos sonhos. Completava 100 anos de idade, um século! Mesmo então, era privilégio para poucos. Havia aqueles que possuíam uma constituição naturalmente resistente para suportar a passagem do tempo, e havia os que eram mantidos pela biotecnologia disponível a um custo muito alto. Esse era seu caso. Fisicamente saudável à beira da perfeição, vinha perdendo aceleradamente nos últimos tempos, no entanto, a ferramenta mais importante de todas: a memória.

Ainda morava na cobertura do seu prédio de 52 andares da Avenida Paulista. De lá, tinha uma vista panorâmica de 360º de toda São Paulo, a capital do seu império particular que se estendia para além dos limites da cidade, do país e do mundo. Nas duas últimas décadas porém, tudo isso tinha perdido a pujança, mostrando sinais de decadência por toda parte. O edifício, antes servido por um conjunto de 12 elevadores super-rápidos, agora tinha somente o seu, particular, atendendo sua moradia. Nenhum dos andares estava ocupado por escritórios de representação das empresas multinacionais mais poderosas do mundo, mas por viciados e sem-teto marginalizados pela sociedade. Tudo era decrépito, com paredes descascadas e sujas, lixo acumulado por todo lugar e um malcheiroso odor que somente os seres humanos são capazes de produzir. Não havia água nem eletricidade no prédio todo, exceto para sua cobertura que se mantinha limpa e conservada graças aos seus últimos serviçais.

Eram decorridos pelo menos 12 anos desde que havia recebido sua última visita social. A partir de então, não mais recebeu ninguém nem saiu de casa, tendo uma relação com seus multibilionários interesses no mundo, de forma totalmente virtual. Quando percebeu que a memória começou a dar as primeiras falhadas, consultou os maiores especialistas e instituições, recebendo de todos o mesmo diagnóstico: a perda era irreversível e era uma questão de tempo para se dar a amnésia total. Ele compreendeu que seria uma baleia ferida no mundo das transações bilionárias no oceano financeiro infestado de tubarões, ávidos por sangue. Tratou de concentrar toda sua riqueza em fundos de investimento suíços, absolutamente seguros, confiáveis e de total liquidez, caso necessário. Retirou de circulação da economia mundial o equivalente a 12% dos ativos, da noite para o dia, provocando crises catastróficas até nos países mais ricos e estruturados economicamente, gerando falências em massa e hordas numericamente inimagináveis de gente faminta. A decadência que o cercava era consequência direta disso.

A data de hoje, no entanto, era especial. Tinha planejado com antecedência e dado ordens específicas ao mordomo que organizou tudo com perfeição. Os monitores dos computadores reluziam o número cem, havia cartazes espalhados por todo apartamento estampando o aviso de aniversário de 100 anos, de todos os tamanhos e cores, para recordá-lo da importância desse momento e dos compromissos e promessas que havia feito a si mesmo para realizar nesse dia. Tomou um café da manhã frugal preparado pela equipe de cozinheiros e, logo após, sentou-se diante do seu computador pessoal, que já o aguardava ligado com a tela de login esperando por sua senha. Refletiu por alguns instantes sem saber o que fazer e, antes que entrasse em desespero, seu secretário particular surgiu ao seu lado e pegou sua mão direita, numa espécie de cumprimento formal. Na junção de seus indicadores surgiu uma sequência de caracteres tatuados formando a palavra-passe para iniciar o aparelho. Nele encontrou instruções para o “Aniversário de 100 anos”, com orientações para imprimir o documento chamado “Liberdade” e o endereço do colégio Firmino de Proença, na Rua da Mooca.

Ele trocou o pijama por um terno de bom caimento e demorou alguns minutos para escolher uma das milhares de gravatas à disposição. Não tinha mais o vigor mental, mas sua aparência física era de alguém na casa dos 50 anos de idade. Assustou a criadagem quando se encaminhou para o elevador e os deteve com um enérgico gesto de mão. Ficaram boquiabertos quando a porta se abriu e ele apertou o botão do térreo, descendo impassível para o mundo completamente mudado que o aguardava lá embaixo. Chegou ao lobby e não prestou atenção ao estado lastimável em que este se encontrava, indo direto para a calçada. Chamou um táxi e rumou para seu objetivo.

Chegou ao número 363 da Rua da Mooca e imediatamente as lembranças invadiram seu cérebro. Deu-se conta que muito havia mudado mas a essência estava lá. O ano letivo estava em andamento mas felizmente era sábado e a reunião com o diretor do colégio tinha sido agendada previamente. Uma jovem e bonita assistente veio ao portão para recebê-lo. Ele perguntou se podia dar uma volta pelo colégio antes da reunião e ela respondeu que ficasse completamente à vontade, deixando-o sozinho. Estava na entrada principal e lembrou das fotos coletivas, quando a professora organizava a classe inteira na grande escadaria, dispondo os alunos uniformizados nos degraus da escada, uns ao lado dos outros. Lembrou-se da foto do segundo ano primário em que, para estragar a imagem, escondeu-se atrás de um dos colegas no exato momento em que o fotógrafo disparou a máquina. De toda classe, ele era o único aparecendo na foto com um olho, meio nariz e meia boca.

Caminhou pelos corredores até chegar ao portão interno que dava para o pátio. Recordou das manhãs nas quais todos os alunos do colégio cantavam perfilados o Hino Nacional. Refletiu que a disciplina da época nunca permitiu que ao final os alunos explodissem em palmas e gritos. Estes eram permitidos durante os recreios, onde grupinhos de várias idades formavam-se para trocar ideias e combinar atividades extracurriculares. Nas salas de aula aprendia-se português, matemática, história, geografia, biologia, química, física, artes, desenho, música, inglês, francês, filosofia e moral e cívica. Nas quadras externas, professores de educação física estimulavam as atividades esportivas. Tudo gratuito, num colégio estadual! 

Chegou à biblioteca que lhe pareceu tão pequena agora. O quadro com a representação gráfica da fauna e flora brasileiras ainda estava no mesmo lugar, logo à esquerda da entrada, desbotado pelo tempo. Dele saíram vários apelidos: Tucano, Jiboia, Rato, Gazela… Lembrou-se de um livro sobre psiquiatria que o impressionara muito. Era um estudo de caso, todo documentado e fotografado, contando a história real de uma moça que dava entrada numa instituição e, após uma longa e penosa série de tratamentos variados, saia de lá com algum documento comprovando sua cura, mas com os olhos sem brilho e sem vida, como de alguém que tivesse perdido a alma.

Quando se aproximou da sala da diretoria, notou a porta entreaberta e entrou sem avisar. O diretor e sua assistente surpreenderam-se com a intromissão, quase pegos no flagrante amoroso. Ele preferiu ignorar e ir direto ao assunto que lhe trazia ao colégio. Tirou do bolso do paletó um pequeno envelope pardo que continha uma única folha, dobrada duas vezes. Desdobrou-a lentamente mas não expôs o conteúdo ao diretor. Olhou para o casal avaliando se deveria pedir privacidade para a moça. Ela deveria ter pouco mais que vinte anos, contrastando sua juventude com os mais de quarenta do amante. Achou que não faria diferença alguma, já que o diretor tinha no dedo anelar da mão esquerda somente a marca de pele mais clara da aliança.

Contou rapidamente como havia conquistado sua imensa fortuna, à custa de muito esforço e influência. Estivera sempre à sombra do poder, mas era peça pivotante da política do país. Expandiu-se por todo o mundo sem que não mais do que meia dúzia de pessoas soubessem quem ele realmente era. Fora causador do crack de 2046, apenas retirando de circulação sua fortuna pessoal. Olhou para o documento em suas mãos e explicou que aquilo transferia de modo irreversível todo aquele incrivelmente absurdo montante de dinheiro para o seu portador. E ele havia decidido que tal pessoa seria o dirigente da escola em que ele havia estudado os cursos elementares de sua formação. Perdeu o fio do pensamento por alguns instantes e quando retomou teve que se esforçar para entender onde estava. Quando recobrou a consciência explicou ao diretor que tais recursos deveriam ser aplicados integralmente na reestruturação do colégio, assim como na ampliação do mesmo e na expansão do benefício a todo o sistema educacional brasileiro.

Terminada a explanação, assinou o documento, levantou-se e foi embora deixando para trás o casal atônito e sem entender o que havia acontecido, se aquilo era real ou somente o delírio de um louco. Quando chegou na rua já não tinha a mínima noção de onde estava, para onde deveria ir e quem era. Virou à direita, em direção à Praça da Sé, e lá estabeleceu sua residência a céu aberto, sem jamais recuperar a memória.

***

O casal apaixonado desfrutava a garrafa mais cara da carta de vinhos do Le Jules Verne, restaurante de alta gastronomia que fica no 2º andar da Torre Eiffel, em Paris. Ele achou que era a coisa mais romântica que podia oferecer a ela nessa primeira viagem internacional de ambos. Teve tempo de deixar a mulher e os quatro filhos, surpreendentemente ricos de uma hora para outra, com uma conta poupança de 100 milhões de reais. Uma ninharia diante do que possuía agora. Nem a ex-esposa, nem ninguém no Brasil, sabia do paradeiro do ex-diretor do colégio estadual Antônio Firmino de Proença.

CaMaSa

A Lenda das Joaninhas

“Ladybug ladybug, fly away home / Your house is on fire, your children do roam”.

Houve um tempo em que os homens estavam mais próximos da natureza, por formação e necessidade. Nascia-se nas áreas cultiváveis e dali se tirava o sustento para sobreviver. As cidades eram refúgios de segurança e locais de troca de mercadorias e informações. Não havia registros nem livros, praticamente tudo era falado e contado, transmitido de geração a geração. A palavra de um homem era um documento firmado, dela vinha sua honra. Então para nós, que hoje temos toda a informação que queremos nas pontas dos dedos, em forma de telefone celular, pode parecer que a vida daquele tempo era monótona e sem graça, arrastada e difícil de preencher, mas, pelo contrário, era muito agitada e excitante!

Os animais eram parte integrante da existência, sendo uns mais próximos que outros dos homens, conforme a utilidade de cada um. Num intrincado método científico-filosófico, Deus, não o de barba branca, mas o Criador da coisa toda, vai criando e adaptando os bichos, de minúsculos insetos a mamíferos gigantes, de acordo com a necessidade de comer ou ser comido pelo homem. Então o Boss foi criando peixes e minhocas para pescá-los, passarinhos para comer minhocas e botar ovos nos ninhos. Alguns caíam do galho e ficavam pelo chão sem aprender a voar e viravam galinhas, patos, marrecos e gansos, que serviam para fazer travesseiros, com penas de ganso! Como nasciam muitas dessas aves domésticas, surgiram então as raposas que usavam todo tipo de artimanhas para invadir os galinheiros e sair de lá com uma penosa. Cansados dos furtos, os homens voltaram suas preces para o Manda-Chuva que imediatamente atendeu seus anseios enviando um lindo casal de cachorros. Esses tornaram-se excelentes guarda-costas das galinhas, dando alarme e perseguindo as raposas que delas se aproximavam. Também foram criados os Bulldogs, que só dormiam e peidavam, mas isso é uma outra estória. Seja como for, em reconhecimento à utilidade e dedicação, os homens ficaram muito amigos dos cães em geral, retribuindo com companhia e fidelidade os bons serviços prestados. Mas como estamos na Terra, não no Paraíso, os grãos plantados e colhidos em grande quantidade tinham que ser armazenados e, para isso, eram construídos locais apropriados para preservar os alimentos ensacados. Surgiram então os ratos e, na sua cola, os gatos, muito bons, muito bacanas, mas inimigos dos cães…

E assim seguiu Deus criando cobras e lagartos, elefantes e leões, bois e cavalos, escorpiões, mosquitos e hipopótamos, jacarés e borboletas, sempre atendendo os desejos e necessidades dos homens, até que chegou um ponto em que eles não o viam mais como O Criador, mas um empregado que estava ali para servi-los. Não era mais respeitado, nem temido e nem amado. Ele viu-se triste e deprimido com a situação, questionando-se sobre seu papel. Decidiu que devia abandonar os homens à sua própria sorte, refugiando-se em local secreto e seguro, onde não pudesse mais ser incomodado. Deixou atrás de si uma infinidade de obras não concluídas, muitas delas sem fazer sentido até nos dias atuais. Afinal, para que serve um ornitorrinco ou um peixe-gota? 

E assim, homens e mulheres viram-se de repente abandonados na face da Terra, tendo que enfrentar e resolver as questões que surgissem no dia a dia. E até que se deram bem por um tempo, criando sistemas engenhosos de habitação, transporte, captação e armazenamento de água e plantio de alimentos. Em tempos de paz e estabilidade mais e mais era necessário organizar as lavouras para gerar alimento suficiente para todos. Verduras, legumes e frutas eram plantados e colhidos em grandes quantidades, muito além das necessidades da população. 

Nesse clima de fartura e boa esperança jovens casais uniam-se em matrimônio na certeza da constituição de famílias ricas em felicidades e filhos, muitos filhos. Um desses casais era formado por um rapaz inteligente e bom, querido por todos, chamado Amado, e uma jovem bela e simpática que a todos cativava, chamada Amada. Uniram-se com a benção e o incentivo das famílias e deram início à construção do próprio patrimônio, plantando o futuro num pedaço de terra carente de cuidados e repleto de pedras. Acariciaram a terra castigada com as mãos, enxadas e arado, e com as pedras recolhidas construíram um lar seguro e sólido. Aos poucos, com muito esforço, dedicação e semeadura, a propriedade foi se transformando num jardim. Havia flores e frutos por todo canto e as lavouras de trigo e algodão cresciam abundantemente. Castanheiras e oliveiras vergavam os galhos de frutos, quase chegando ao chão. Estavam prontos para o próximo passo. O primeiro filho completaria a felicidade do casal.

Mas Deus havia deixado alguns seres tão insignificantes ao longo da história, que ninguém lhes dera a devida atenção. No entanto, em meio a tamanha abundância e desperdício, esses pequenos parasitas cresceram e multiplicaram numa proporção geométrica, alimentando-se vorazmente de tudo que era plantado e cultivado com tanto sacrifício. Em pouco tempo os alimentos passaram a escassear e logo a Terra, que era um imenso jardim, tornou-se ressequida e estéril, tendo substituídas suas belas cores por sombras de desolação.

Surgiram muitos especialistas, estudiosos de botânica, biologia, química e artes esotéricas conhecidas e desconhecidas, para interpretar e dar significado a tudo aquilo que não tinha explicação. Eram chamados de magos, fadas ou bruxas, conforme o humor e a região. Uns eram respeitados outros temidos e outros simplesmente ignorados. Alguns criaram poções venenosas que matavam os pulgões, como foram apelidados os parasitas, mas lamentavelmente matavam também as plantas. Muitos desses bruxos foram expulsos do convívio social e passaram a vida inteira isoladas no interior de densas e completamente inabitadas florestas.

Amada, em meio a tanta devastação e tristeza, viu seus planos de maternidade serem interrompidos, com seu ventre entristecido e árido, como a terra que os cercava. Ela e Amado lutavam desesperadamente para salvar o pouco que lhes restava mas, muito além de suas cercas, na densa floresta virgem, até onde a vista alcançava e a terra fazia sua curva, tudo estava morto e sem vida, com galhos secos sem uma folhinha verde sequer de esperança. Os rios estavam sujos e poluídos por carcaças de animais vencidos pela fome. Era preciso se embrenhar cada vez mais profundamente na mata para encontrar alguma água limpa para beber.

Certa manhã, Amada munida de dois grandes baldes pendurados num galho rijo de madeira apoiado em suas costas, embrenhou-se floresta adentro à procura do cada vez mais raro líquido. O sol já estava a pino quando parou para comer um pequeno pedaço de pão e deu-se conta que até o momento não havia encontrado uma única gota. Seguiu em sua jornada cada vez mais desorientada pelas sombras da mata fechada e do rápido entardecer, com o Sol mergulhando velozmente na noite escura. Viu-se completamente perdida, em todos os sentidos, caindo no chão esgotada e adormeceu banhada em lágrimas.

Quando acordou pela manhã, sentiu a grama fresca sob seu corpo revigorado e ouviu pássaros cantando alegremente. Abriu os olhos para uma realidade colorida e verdejante, com flores e frutos brilhantes de vida e orvalho. Pulou num sobressalto e viu mais adiante uma pequena choupana, limpa e bem cuidada, de onde fumegava um fio de fumaça branca de uma chaminé. Antes de dar o primeiro passo, viu a porta principal sendo aberta e dela sair uma senhora de cabelos e avental brancos escorridos sobre roupas cheias de remendos coloridos, como se fossem feitas de colchas de patchwork. Surpresa, a anciã veio em sua direção com um sorriso muito amável no rosto e lhe disse:

– Quem é você? Há muito tempo não recebo uma visita!

– Eu, eu, sou Amada… respondeu sem entender a jovem.

– Venha! Venha para dentro comer alguma coisa. Você me parece muito sedenta e faminta. Vamos experimentar minha nova receita de pão de canela que acabei de inventar.

O interior da casinha era tão surpreendentemente lindo como o exterior que a cercava, com móveis, cortinas, potes e utensílios variados, cuidadosamente limpos e organizados. No fogão a lenha o bule de café exalava um aroma maravilhoso e do forno vinha um perfume de maçã e canela inebriante. Amada, de olhos arregalados, observava a anfitriã mover-se com agilidade e leveza, enquanto seu estômago roncava com fúria. Resistiu bravamente enquanto as mais variadas delícias eram colocadas à sua frente, mas só as atacou quando a gentil senhora sentou-se diante dela e a incentivou a dar a primeira mordida.

Ela era aparentemente muito idosa, com o rosto totalmente envelhecido e marcado por infinitas rugas, mas seus olhos verdes tinham uma jovialidade contrastante com o restante do seu visual, como um oásis de frescor no meio do deserto. Enquanto Amada saciava sua sede e fome, ela foi contando sua história.

Chamava-se Bondade e vivia na floresta desde tempos imemoriais. Achava que tinha nascido ali, junto com as árvores e os animais. Havia dado nome e sentido a muitas plantas e bichos que por ali floresceram e deram os primeiros passos. Nunca sentiu necessidade de ir ao encontro de outras pessoas, pois sempre entendeu sua missão de manter viva a pureza da Terra, livre de contaminações. Amada, diante de uma narrativa tão bonita, contou envergonhada o que se passava com ela e com o mundo e como todos haviam perdido a esperança em alguma solução.

A anciã lhe sorriu bondosamente, pôs sua mão sobre a barriga de Amada num gesto de muito carinho e convidou a jovem para acompanhá-la até uma pequena saleta, repleta de pincéis e potes com tintas. Numa pequena mesa de madeira havia uma lente de vidro apoiada numa haste dobrável. Bondade pediu para que ela sentasse e olhasse através da lente. Ela viu uma intrigante fila bem organizada de pequenos insetos marrons, à primeira vista minúsculas baratinhas, com não mais de 8 milímetros. Pareciam aguardar algum comando para se movimentar e, de fato, quando a idosa senhora sentou-se no banquinho e bateu duas vezes com um pequeno pincel sobre a mesa, o primeiro bichinho da fila começou a andar e parou, de costas para elas, bem no centro da mesa. Amada viu sua anfitriã pintar habilmente de vermelho a carapaça arredondada do pequeno inseto e finalizar com pequenas manchas escuras. Os bichinhos sucediam-se respeitosamente para serem pintados de diversas cores e cada um tinha um padrão único de manchas. Após alguns segundos de secagem, erguiam a proteção, agora colorida, e exibiam abaixo delas asas transparentes que eram batidas numa velocidade espantosa, fazendo-os voar pelo aposento. 

Bondade contou que havia batizado esses seres minúsculos com o nome de Joaninha e que eles, em sua grande humildade, podiam ensinar aos homens uma bela lição. Principalmente, viver sem desperdiçar a energia e defender-se com suavidade. Somos pequenos diante do Infinito, mas nos abrindo a Ele, percebemos que a Eternidade nos habita. A carapaça é a nossa mente, onde vivem os pensamentos, mas abaixo dela estão os sentimentos, as asas do coração, que nos fazem sonhar e voar. 

Explicou também que as joaninhas se alimentam de parasitas menores que atacam as plantas e que por isso elas são símbolo de fertilidade, pois onde há joaninhas chega o novo, a transformação e o crescimento. Pôs sua mão sobre a barriga da jovem num gesto de muito carinho e sorriu esperançosamente. Pegou uma pequena caixa de vidro com milhares de joaninhas e presenteou Amada, dizendo para espalhá-las por suas terras para que elas fizessem seu trabalho. Despediu-se num abraço terno e convidou-a para voltar ao interior da floresta sempre que fosse necessário buscar mais joaninhas.

Quando Amada chegou em casa, encontrou seu Amado desesperado pela ausência dela. Ela contou o que havia acontecido e logo espalharam as joaninhas por toda plantação. Elas rapidamente comeram os parasitas e, fortalecidas, reproduziram-se rapidamente espalhando a boa nova por todo lugar. Em breve, toda a Terra estaria recuperada, salva pelos humildes insetos coloridos e pela Bondade.

CaMaSa