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Anacleto e a Coxinha

Anacleto crescia… melhor dizendo avançava no tempo ocupando o mínimo espaço. Os pais procuravam oferecer todo tipo de alimento, dos mais doces aos mais salgados, dos mais insossos aos mais amargos, coloridos, perfumados ou inodoros, quentes ou frios. A todos o menino reagia da mesma maneira, uma ou duas colheradas e só. Mamadeiras, mingaus, purês, bananas, maçãs, pêras, mamões e morangos, sucos de laranja, uva e pêssego. Iogurtes, queijos, dos mais caseiros aos mais malcheirosos. Feijão com arroz, macarrão com molho de tomate, com queijo, lavado com manteiga. Sorvetes, pudins, balas e chocolates. A tudo exclamava um: – Bléé!

Eventualmente inventava de só querer uma mistura esquisita de giló com tamarindo, limão com beterraba e lentilha, bacon com pipoca doce e baunilha… Mulher grávida perde de longe! Eram dias, semanas e meses na mesma toada, comendo só um tantinho da gororoba que era toda jogada fora. Quem ia comer aquilo? Se um dos ingredientes faltasse, fosse fora de estação, toca correr atrás por toda cidade, em toda feira, mercado, quitandinha ou sítio dos arredores da cidade. Não fazia por mal. Nada lhe apetecia e mesmo essas misturas esquisitas não lhe abriam o apetite verdadeiramente. Mas era o que lhe dava sustento, algum viço e força pra seguir a vida.

Assim que, aos barrancos e trancos, chuchus e abobrinhas, chegou Anacleto aos seis anos de idade, quase apto a ingressar na escola primária, para juntar as primeiras letras, somar os primeiros números, cantar as primeiras cantigas e hinos, brigar com os primeiros amigos e sonhar acordado com as primeiras paixões. Tudo isso estava reservado para ele, não fosse ele quem era. Arrancá-lo do lar foi uma verdadeira batalha, com uivos e gritos ouvidos a quilômetros de distância. O uniforme escolar de calçãozinho azul-marinho e cós rígido, com camisa branca engomadíssima e brilhante, enfeitada por uma gravatinha da cor do calção,  combinando com um par de meias três quartos brancas e botinas pretas lustrosas, desmantelou-se todo em poucos minutos. Olhando-se atentamente não se conseguiria distinguir entre uma ou outra peça do vestuário. Assim que saíram de casa, desvencilhou-se da mãe e saiu correndo em disparada dando de encontro a um poste. Ana o acudiu, levantando-o com uma só mão enquanto a outra vassourava a sujeira do chão presa em suas roupas. 

– Tá doido menino? Quer morrer?

Pronto! Uma luz acendeu no túnel escuro da cabeça do menino. Acalmou-se e deixou-se levar docilmente para a escola próxima. A mãe estranhou, chegou a pensar que o menino tivesse batido a cabeça com muita força, que ele estivesse grogue ou algo assim. Mas ela tinha visto o choque, bateu de ombro, nada de cabeça e também não havia marca aparente. Só estava calmo mesmo. Talvez o susto tivera um efeito benéfico. Seja como for, chegou ao portão da escola onde uma assistente aguardava as crianças. A moça abriu um sorriso para Anacleto que aceitou mansamente a mão estendida em sua direção. Foi para dentro tranquilamente andando ao lado da moça e sumiu das vistas da mãe quando subiram a larga escadaria do hall principal do antigo prédio amarelado. Antes de virar-se para voltar para casa, Ana leu no alto da fachada da escola: Antonio Firmino de Proença.

As palavras de sua mãe após o choque com o poste ainda ecoavam em sua cabeça. Menino… Quer… Morrer… Eram tão melodiosas, tão encantadoras. Canto doce e convidativo de sereias flutuantes num mar translúcido quente e aconchegante. Ele não sabia o que era a morte, mal havia saído das fraldas, mas uma força superior o empurrava para o maior dos mistérios. Acordou de seu devaneio sentado numa carteira escolar de ferro e madeira velha e rabiscada pelo tempo, acompanhado de várias crianças iguais a ele e uma professora rechonchuda e falante. Ela se chamava Neide, assim havia dito, e pedia a cada um dos alunos que se apresentassem dizendo seus nomes. Após uma sucessão de Pedrinhos, Rosinhas, Josés, Mariazinhas, Olavos e Ritas, chegou sua vez de dizer o nome.

– Ana…

– Hahahas…

– Como? Perguntou dona Neide.

– Ana… Cleto…

– Hahahas…

– Silêncio! Silêncio! Ralhou a professorinha. Anacleto é um nome bonito como outro qualquer.

Ele custou a entender do que riam as outras crianças. Primeiro pensou que era de sua voz e só depois percebeu que riam do seu nome. Achou estranho mas não ficou incomodado, já que estava decidido a descobrir ali como se chegava até a morte. Essas coisas pequenas não o tirariam do seu objetivo principal. Avaliou que entre os colegas de classe dificilmente encontraria alguém que pudesse ajudar, que tivesse alguma noção de como atingir sua meta. Mas teria que tentar. Se nenhum deles tivesse alguma ideia útil, teria que recorrer à professora. Acabou descobrindo, fazendo perguntas a respeito, que todos tinham muita informação para dar. Cada um tinha uma estória para contar sobre formigas, moscas, aranhas e baratas mortas; um contou sobre a morte de um gato e outro falou de um cachorro; pássaros, muitos pássaros; um falou até de um tio, morto em duelo, mas não tinha certeza se era verdade ou um filme antigo em preto e branco. Mas ninguém contou sobre a própria morte!

O sino cantou a hora do recreio e todos correram da sala em direção ao pátio interno do colégio. Ele permaneceu sentado, hesitando entre sair ou ficar para fazer perguntas para a professora, atarefada com listas de presença. Deu alguns passos em direção à mesa alta e permaneceu alguns segundos diante dela, olhando fixamente para a mulher sentada ali. Percebendo-se olhada, a mestra encarou o menino à sua frente e, entre assustada e surpresa, perguntou se ele queria alguma coisa?

MORRER… Anacleto pensou bem alto, como um grito. E saiu correndo para fora da sala, sem direção ou razão. Entendeu que não poderia contar com os adultos, que fariam tudo para impedi-lo. Era algo para se fazer sozinho, mas como? Imaginou que uma queda, uma grande queda, provavelmente poderia tirar a vida de alguém. Sua casa não tinha lugares altos, nem mesmo o telhado era suficiente. Mas ele estava agora nesse colégio que era um prédio alto, com dois andares, o suficiente para fazer um belo estrago. Pôs-se a perambular pelos corredores para encontrar um lugar adequado para seus intentos.

Naquele momento, na sala dos professores, o café com fofocas corria fartamente. Entre pedaços de bolos e tortas, coxinhas e empadinhas, a matemática, o português, a geografia e a história davam lugar aos comentários sobre as roupas inadequadas, o excesso de maquiagem ou o caso secreto entre a inspetora de corredor e o novo professor de educação física, casado! Eventualmente discutia-se a reclamação de uma mãe e a falta de modos e educação do filho da reclamante. De repente, ouviu-se um ganido medonho, um berro surdo asmático vindo da direção do professor de inglês, que do alto de seus 142 quilos, acabava de engasgar com o osso de uma coxinha, obstruindo sua garganta elegantemente envelopada por uma blusa de gola olímpica azul escuro.

Formou-se um bafafá tumultuado, todos correndo de um lado para o outro, tentando acudir o pobre sem saber o que fazer. Num ato de desespero o professor saiu em disparada para fora da sala de reunião, atropelando duas professoras e uma diretora pelo caminho, estatelando-se no chão, arfante, indo parar bem embaixo do vão da escada com o imenso barrigão para cima.

Nisso despenca lá do alto, como um pato abatido em pleno vôo ou um anjo querubim caído do céu, dependendo do ângulo que se olhasse, Anacleto, em carne e ossos, mais ossos que carne, de encontro ao seu planejado e triste destino, interrompido e salvo pela pança do professor estrebuchante. O menino caiu com os dois pés bem no umbigo do já quase moribundo, merecendo um 10 em saltos ornamentais pois não espirraria uma gota sequer. A pressão do golpe fez cuspir o osso de galinha da coxinha, feito jato de uma baleia, indo aboletar-se no alto da peruca da professora de música.

O professor sobreviveu graças ao ato heróico de Anacleto! Ele foi abraçado e festejado. Teve fanfarra, discurso e condecoração. Jornal, rádio e televisão, com direito a cumprimento do prefeito. A tudo ele assistiu impassível, à espreita da próxima oportunidade

CaMaSa

Anacleto

Ele era suicida, mas completamente incompetente para realizar sua intenção. Entre as inúmeras tentativas, uma mereceu até uma nota no jornal do bairro. Foi quando tomou 32 bolinhas de Aconitum napelus, 27 de Aesculus hippocastanum,  62 de Agnus castus, 24 de Barium carbonicum, 29 de Chamomilla, 36 de Cuprum metallicum, 29 de Hepar sulphuris, 23 de Histaminum, 58 de Iris versicolor, 31 de Lycopodium clavatum, 33 de Mercurius iodatus ruber, 45 de Morphinum, 16 de Phytolacca decandra, 35 de Scutellaria lateriflora, 67 de Tarantula hispanica e 19 de Zincum metallicum, todas homeopáticas! Quando os pais chegaram ao hospital, perguntaram ao médico:

— Ele vai sobreviver, doutor?

— Sobreviver vai, mas vai ao vaso como um cabrito por 3 meses!

Nascera normal, se é que podemos dizer normal um parto pelos pés e o cordão umbilical enrolado no pescoço. O médico tinha em suas mãos um bebê azul arroxeado que só sorveu a primeira golfada de ar depois da décima palmada! As enfermeiras entregaram para uma mãe ávida e curiosa, um recém-nascido com marcas de mãos claramente desenhadas na bunda. Ana era seu nome e ela não via a hora de poder mostrar esse pequeno anjo ao pai, Cleto. Passaram-se algumas horas até que finalmente os três puderam comemorar juntos o nascimento: Ana, Cleto e o pequeno Anacleto.

Perguntaram ao médico quando poderiam ir para casa? Quando o bebê mamar pela primeira vez, respondeu o doutor. Nove dias depois dispensaram os três, não sem antes obrigarem os pais assinarem um documento isentando o hospital de qualquer responsabilidade. Desceram do táxi com um pacotinho de pele e ossos com pouco mais de 1.600 kg, que havia nascido com 2.700 kg. Não demorou para que todas as tias e nonnas da vila viessem prestar socorro através de séculos de sabedoria acumulada na arte de criar e engordar pequerruchos. Padres e freiras, pais e mães de santo, curandeiros, místicos e céticos revezavam-se em procissão na tentativa de encontrar uma solução. Nutricionistas, químicos e físicos, advogados e juízes, militares de alta e baixa patente. Não tinha jeito! O moleque cerrava a boca como uma espada cravada em bigorna, a Espada era a Lei.

Claro que não passava pela cabeça dos pais, nem de ninguém, que um recém-nascido pudesse tentar contra a própria vida, até o dia em que ele começou a arrancar a mangueirinha do soro. Não na primeira nem na quinta vez, mas na décima bateu um baita desespero. O menino tentava se matar! O que já era assunto do dia virou um sururu danado! Camelôs, feirantes, donas de bordel, jogadores de futebol, diretores de escola, jornais, rádios e TVs. Tinha de tudo na pequena vila, todos querendo tirar uma casquinha da celebridade do momento. Uma semi-famosa, casada com um jogador de futebol semi-profissional, exigia uma posição melhor na fila. Uma equipe da TV Record havia conseguido uma exclusiva e filmou o menino no exato momento que arrancava o catéter do braço. Terminaram a reportagem com Anacleto de olhos esbugalhados, mãos e pés amarrados.

Numa quarta-feira de manhã, já com a audiência baixa e a desolação dos pais bem alta, bateu à porta um homenzinho baixo, por volta de 1,40 m de altura, magro, muito magro, com o rosto encovado, a pele macilenta grudada nos ossos. – Eu vou salvar a criança, anunciou timidamente.

Ana e Cleto sentiram um frio na espinha. Já haviam perdido a esperança, conformados que estavam com a sorte infeliz, preparados para o pior. Mas aquele homem revertera o quadro, acendera uma luz na escuridão, retesara os cabelos da nuca. A sensação durou pouco. Olhando novamente para o sujeitinho à sua frente, Cleto suspirou profundamente e deu-lhe as costas, indo sentar-se no sofá ao lado do berço. Já Ana, como todas as mães, acreditou mais um pouquinho e perguntou com alguma esperança:

– Como o senhor pode salvar o meu filho? Fazê-lo comer?

– Quero que seja preparada uma feijoada completa.

E passou para Ana a lista com os ingredientes:

  • 3,5 Kg de feijão preto (separados em 3K + 500g)
  • 500g de bacon
  • 500g de toucinho fresco laminado
  • 1 rabo de porco salgado
  • 1 pé de porco salgado
  • 1 orelha de porco salgada
  • 1 língua (nesse dia não encontrei pra comprar por isso não coloquei)
  • 1,5 Kg costelinha de porco salgada
  • 1Kg de pernil de porco salgado (pode ser lombo e pode ser metade de cada, mas prefiro o pernil por ser mais saboroso e suculento que o lombo)
  • 1,5 Kg de carne seca (eu prefiro o dianteiro que tem mais gordura e é mais saboroso, apesar do traseiro ser mais carnudo, mas pode ser meio a meio)
  • 4 paios
  • 2 linguiças portuguesas
  • 5 cabeças de alho brunoise (cubos mínimos)
  • 4 cebolas em cubos
  • 2 xícaras (chá) de talos de salsinha laminados finamente
  • 6 pimentas dedo de moça em lâminas
  • 4 folhas de louro
  • 1 laranja sem pele inteira
  • 3 cravos da Índia
  • 1 colher de café de semente de cominho
  • 2 doses de cachaça

Fez Ana anotar todos os detalhes minuciosos da preparação da feijoada, os cortes precisos das carnes, as quantidade exatas de cada condimento, os tempos cronometrados de cocção e fervura. Deveria acompanhar duas travessas grandes de arroz imaculadamente branco e uma dúzia de garrafas de cerveja a 3º C de temperatura.

Seja porque já haviam perdido a esperança, seja porque já não sabiam mais o que fazer mesmo, Ana e Cleto puseram-se atrás dos ingredientes, utensílios e tudo o que era preciso para atender a solicitação do estranho homem. Este sentou-se à cabeceira da mesa de jantar e aguardou em transe mediúnico o momento adequado à realização do seu prometido milagre. Não mexeu um dedo, não piscou um olho. Ficou petrificado durante aquela tarde e noite, assim amanheceu na quinta-feira, mantendo-se firme e resoluto durante toda sexta-feira, apesar do aroma que exalava a preparação de sua receita, já enlouquecendo toda vizinhança, já babando de vontade. Cleto teve que postar-se diante da porta, impedindo a entrada dos mais exaltados. Prometia a todos um bocado daquela gostosura, mas que a prioridade era salvar seu filho. Da sexta para o sábado teve que contratar um vigia, mas teve que despedi-lo pois este não aguentou e foi flagrado tentando provar um pouco daquele caldo de feijão dos deuses.

Ana e Cleto passaram a noite toda se revezando e sentiram os primeiros raios de Sol da manhã do sábado com os olhos vermelhos de sono e empedrados de cansaço. Faltavam poucas horas para o grande momento, o tal sábio determinara o almoço para meio dia em ponto. Este, aliás, estava lá, sentado na mesma posição. Cleto chegou a temer que o homem tivesse morrido, mas sossegou quando passou as costas da mão sob suas narinas. Ana preparou um café com leite e um pão com manteiga, mas a vontade de provar da feijoada era pavorosa. Resistiam por causa do Anacletinho, magrinho, quase um cadáver.

Passaram a manhã preparando e decorando os pratos conforme as instruções detalhadas, ajeitavam as louças e os talheres. Puseram à mesa o que de melhor possuíam, o que não era grande coisa, mas colocados da forma orientada e com os conteúdos tão perfumados e vistosos, pareciam ser porcelanas finas, cristais e pratarias do mais alto nível. Faltando um minuto para soar o relógio, Cleto dispôs as garrafas geladíssimas de cerveja, abrindo a primeira exatamente ao meio dia. Automaticamente o homem abriu os olhos. Inspirou o ar longa e profundamente e atacou a feijoada com uma ferocidade incomparável. Feijão, pés, orelhas, arroz e farofa, tudo era absorvido por aquele poço sem fundo de sua boca. Cleto fez menção de pegar uma colher de arroz mas recuou diante do rosnado assustador do homenzinho. Teve a impressão de ser um leão defendendo sua presa. Em pouco mais de meia hora o fato estava consumado. Não havia um grão de feijão, um pó de farofa ou uma gota de cerveja para provar que ali existiu uma feijoada.

De repente o comilão teve um espasmo, virou-se para a criança no berço e deu um fétido, sonoro e longo arroto de satisfação que empesteou toda a casa. Os pais correram a abrir portas e janelas, mal conseguindo respirar aquele ambiente poluído por aquele fedor infernal. Não havia um vizinho à porta. Fugiram todos, preocupados com a própria segurança. O homenzinho tomou o caminho da rua, passando por Ana e Cleto. Disse a ambos:

– O menino vai comer normalmente agora e nunca, nunca conseguirá tirar a própria vida.

Os dois se entreolharam incrédulos e correram para o berço. Ana ofereceu uma mamadeira, que foi devorada rapidamente.

CaMaSa

O Crime da Irmã Amara

Roubil

Esta é uma estória do tempo em que as fofocas eram ditas a boca pequena, ainda não existia internet e redes sociais, e as pessoas, entre as quais padres e freiras, não podiam amar livremente. Ela é, como sempre, baseada em trechos de conversas interrompidas, sem conclusão, um ou outro nome meio esquecido, uma ou outra palavra perdida nos vãos da memória e da confusão. Ouvindo essas coisas entro numa espécie de transe, ouço atento nem pisco, olho a pessoa mas já não estou lá. Vejo-me entre os personagens descritos, vagueio entre eles sentindo seu cheiro, seu gosto e suas cores. Claro que trocarei os nomes dos envolvidos, nossa freira não se chamava Amara e, pelo contrário, ela era muito doce e gentil. 

O colégio, palco do nosso drama, também não se chamava Colégio Divino Coração em Chamas e para ser o mais verossímil possível, digo que se localizava em São Paulo, em bairro nobre e elegante. Pelos extensos corredores de ladrilhos hidráulicos absurdamente limpos, polidos e brilhantes, circulavam diariamente alunos, professores, serventes e funcionários da administração, todos e tudo regidos com mão de ferro pelas freiras Marianas. Cada setor da escola, da biblioteca ao jardim, tinha uma irmã responsável pelo gerenciamento das atividades de cada funcionário contratado e nada fugia desse controle. Lâmpadas, fechaduras, carteiras, bancos, lousas sempre limpas para as aulas do dia seguinte, com a quantidade exata de giz a ser usado de acordo com a matéria, exaustivamente preparada pelos professores e supervisionada pela freira encarregada da correspondente disciplina. Os fundamentos cristãos eram cuidadosamente inseridos nos conceitos científicos, permeando todas as disciplinas, da Matemática à Língua Portuguesa, da História à Geografia, da Física à Química, do Francês ao Latim. Isso não desmerece tais fundamentos, vez que são aplicados por seres humanos humanos sujeitos a erros como qualquer um, ainda que freiras. Errare humanum est, perseverare autem diabolicum!

Entre erros e acertos (milhares de acertos para pouquíssimos erros), dedicavam-se aos serviços na Secretaria do colégio, duas jovens irmãs recém-casadas, cujos filhos Laís, Pedro e Paulo, de Ana, e Rita e Lúcia, de Joana, puderam frequentar uma escola de tão alta qualidade, devido ao trabalho das mães. Ana deslocava-se com seu Fusquinha pela cidade aos primeiros raios do Sol, levando consigo as cinco crianças. Uma escadinha de 10, 9, 7, 6 e 5 anos. Começava o trabalho às seis horas da manhã e terminava o turno ao meio dia. Ana deixava o carro para Joana e voltava de condução. Sua irmã dava início então, indo até às seis da tarde e voltava para casa com as crianças que passavam o dia na escola, entre aulas, estudos, tarefas e períodos de inatividade. Num desses períodos ociosos, o pequeno Paulinho, arteiro da planta dos pés até a ponta dos cabelos loiríssimos, quase platinados, deixou irmãos e primas estudando na biblioteca com a desculpa que ia ao banheiro. Seguiu pelo corredor vazio, desceu as escadas e foi em direção ao imenso jardim interno, nos fundos do colégio. Gostava de vaguear entre as árvores frutíferas do pomar, caçando mangas maduras no pé. Avistou uma amarelinha no alto da copa e trepou rapidamente por entre os galhos. O fruto soltou fácil, com um leve puxãozinho. Deu a primeira dentada e puxou a casca com os dentes, sentido o perfume delicioso exalado. Nesse exato momento ouviu um barulho. Passos e vozes aproximaram-se afobados do tronco da mangueira. O menino ficou em silêncio, prendeu a respiração para não ser descoberto. Reconheceu a irmã Rosinha, seguida pelo motorista da escola, o Tobias. Os dois se abraçaram bem abaixo do garoto estupefato, agora de olhos arregalados. Quando os amantes se beijaram, suas mãos perderam as forças e a manga escorregou entre os seus dedos, indo se estatelar na cabeça do motorista!

Tobias nem teve tempo de levar a mão à cabeça. Paulinho perdeu o equilíbrio e caiu por cima do pobre, rolando os dois pelo chão. Não se sabia dizer qual dos três estava mais surpreso e assustado. O menino pela confusão, a freira pelo constrangimento ou o motorista que pensava estar sendo punido por Deus! O casal, refeito do susto, encontrou uma rápida solução. Ralharam com a criança, ameaçando-o com o castigo divino caso ele falasse com alguém sobre coisas que ele imaginava ter visto e, por trepar em árvores pondo a vida dos outros em perigo, seria trancado no barraco de ferramentas da irmã Amara, responsável pelo jardim. E lá ficou o garoto trancado no escuro, sozinho, com medo e arrependido de ter visto coisas que não compreendia e não deveria ter visto. 

Joana procurou o sobrinho por todo o colégio com o auxílio dos demais funcionários e freiras, até que finalmente chegaram ao pequeno depósito de ferramentas. Abriram a porta que estava trancada por fora com um simples trinco e encontraram Paulinho sentado no chão, o rosto entre as pernas, chorando baixinho. O menino não falava nada, estava completamente mudo, sem explicar como havia sido trancado lá. A tia concluiu que ele havia feito alguma traquinagem e a irmã Amara castigou seu sobrinho, trancando-o no pequeno galpão. Procurou a freira para saber o que havia se passado, mas soube que ela e a irmã Rosinha haviam sido levadas pelo motorista Tobias ao Mappin, no centro da cidade, para fazer algumas compras. Reuniu a criançada, embarcou todos no Fusquinha e voltou para casa ao encontro da irmã. Resumiu em poucas palavras o que havia ocorrido e entregou o garoto aos cuidados da mãe. 

Ana não conseguiu arrancar explicação alguma do filho e prometeu que no dia seguinte tiraria essa história a limpo. Não conseguia pregar os olhos. O que mais lhe doía era a traição. Amava a irmã Amara, sempre carinhosa com as crianças, sempre disposta a ajudar, amiga e verdadeira, uma grande inspiração. Como ela podia ter feito isso? Passou a noite acordada pensando no que diria à freira. Acusaria, ofenderia e ameaçaria ir à polícia. Não foi necessário. Ao acordar no dia seguinte, encontrou o marido imóvel, xícara de café suspensa no ar, diante da televisão. O jornal da manhã noticiava o caso da freira que na tarde anterior havia sido presa por furto no Mappin. Ela havia sido pega roubando uma calcinha, escondida em seu hábito. Era a irmã Amara!

* * *

Naquela tarde, depois de trancarem o menino no galpão de madeira, Tobias e a irmã Rosinha encontraram a irmã Amara em frente ao colégio. As duas foram encarregadas de comprar toalhas e guardanapos de linho para a mesa de jantar do restaurante oficial, reservado a visitantes ilustres. Irmã Amara sentou-se no banco da frente ao lado do motorista e não percebeu quando este e a noviça de vinte e poucos anos, metade de sua idade, trocavam olhares apaixonados e suspeitos. Eles haviam decidido, em parte pela tensão ocorrida horas antes, em parte porque a paixão já não cabia em seus corações, fugir para o Rio de Janeiro e dar início a uma nova vida juntos. Rosinha sentia vergonha de consumar seu amor pela primeira vez, usando calcinhas largas e puídas de linho grosso que compunham a vestimenta das freiras. Imaginou entregar-se desnuda, mas considerou isso um pecado. Circulando pela loja, ao passar pela seção de moda feminina, pegou uma calcinha vermelha de rendas e, temendo ser vista, enfiou rapidamente no bolso da companheira sem que essa percebesse.

Flagrada, assustada e absolutamente inocente, sem entender o que estava acontecendo, irmã Amara foi fichada e condenada, sendo preciso a intervenção de advogados da arquidiocese paulistana para liberá-la da prisão. Foi transferida para uma pequena e desconhecida diocese no interior do Estado, no meio de uma enorme fazenda, onde pôde cuidar de plantas e flores. Quanto a Rosinha e Tobias, tiveram seis filhos, seguindo fielmente o preceito cristão: “Crescei e multiplicai-vos”.

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Ladrões

Roubil

A dor da fome é cruel. Não estou falando da inanição, que tira todo ânimo e te derruba no chão, sem forças para lutar. Falo da fome que ronca dolorida no estômago, amaldiçoa a existência e te faz um ladrão. Ele perambulava pela vida há pelo menos trinta e poucos anos, pisara terras roxas, secas, agrestes e espinhosas, os macacos de pedra, os cimentos e os asfaltos escuros de todo este país. Já não tinha mais laços, família e amigos, nem nome ou identidade. Era só um fantasma em forma de gente, um conjunto de ossos forrado por uma pele fina, queimada de Sol e lavada de chuva. Os vira-latas famintos das ruas, com os quais disputava os restos de comida nos lixos, tinham mais carne e gordura que ele.

Não cabe aqui sua história explicando os erros que o trouxeram até aqui. Talvez tenha sido somente um, grande o bastante para afogar-se na culpa sem fim, sem volta e sem perdão. Aqui estava, cumprindo seu destino, diante dessa casa bonita, de sonho, do outro lado da rua, com cerca pintada, gramado verdinho pincelado com flores coloridas, amores-perfeitos lindos de viver. De vez em quando, passando pelas vitrines das lojas, via nas telas das televisões casas como aquela, cheias de vida, felicidade e comida. Nessas horas sua boca aguava de vontade, babando a cada prato fumegante de sopa, macarrão com molho de tomate e queijo, arroz com feijão e bifes, grossos, macios e acebolados.

Notou um movimento na entrada da casa, a porta da frente se abriu e dela saíram o pai e a mãe, um casal de filhos pequenos loiros e rechonchudos e um cãozinho branquinho como a neve saltitando entre as crianças. Os pais carregavam malas, maletas e sacolas e colocavam tudo no porta-malas do carro. Acomodaram as crianças e o cachorro no banco traseiro, a mãe sentou-se no banco do passageiro enquanto o pai verificava as trancas das portas e janelas. Quando deu-se por satisfeito, assumiu o volante e partiu com a família sem olhar para trás.

Ele observou tudo à distância, longe, em seus pensamentos de tristeza e desolação. Aos poucos voltou ao seu mundo concreto e físico, com suas entranhas clamando por uma solução. A necessidade, mãe da invenção, lhe trouxe uma ideia esquisita e arriscada de pura tentação. Viu a casa vazia de gente, de vida e de donos, à sua disposição. Deu passos indecisos em sua direção, pulou a cerca baixinha, rodeou pelo corredor lateral até o quintal no fundo e quebrou o vidro da porta com um soco. Com a mão sangrando o sangue ralo abriu o trinco interno da porta e entrou pela cozinha ampla e perfumada de limpeza e frutas. Atacou ferozmente uma banana ainda verde, quase sem tirar-lhe a roupa. Chupou uma laranja e, na sequência, uma manga fiapenta. Mas a fome não aplacava. Acalmava mas não passava.

Olhou para a caixa branca enorme que ronronava baixinho. Puxou a alça da porta lentamente e sentiu o bafo frio de encontro ao seu rosto. Viu uma grande fartura de verduras e legumes, potes diversos e garrafas variadas. Estava cheia. Ele poderia passar um ano com o que tinha ali. Abriu o freezer e olhou para os potes de sorvete encantado. Percebeu um saco transparente envolvendo uma massa vermelha escura. Era carne. Retirou sem pensar o pacote da geladeira e colocou sob a água corrente da torneira da pia. Deixou-a ali até que aquele pedaço de carne, dura como uma pedra, amolecesse devagarinho e voltasse a ser macia. Pingava sangue! Ou ainda era de suas mãos que o fluido vital escorria? Não sabia. Só conseguia pensar no bife. E nas cebolas douradas que o acompanhariam. Procurou nos armários e gabinetes da cozinha alguma panela. Encontrou uma frigideira grande, bonita, marcada por milhares de frituras saborosas que alimentaram aquela família. Cortou duas cebolas em rodelas, picou dois dentes de alho, deitou fios de óleo sobre a frigideira vazia em cima de uma boca do fogão, deixou que esquentasse um pouco, jogou um bife enorme dentro. A carne gritou em contato com a chapa quente. Shhhh… Espalhou a cebola por cima da carne, salpicou sal branquinho e deixou-se invadir pelo aroma saboroso daquela combinação perfeita.

Apesar da urgência dessa fome implacável, teve tempo de raciocinar e concluir que aquilo era uma refeição e, como tal, merecia mesa posta, louças e talheres. Sacou um prato colorido e colocou sobre um guardanapo em cima da mesa ao lado de uma caneca de plástico. Encheu a caneca com um suco de uva encontrado na geladeira e despejou todo o conteúdo da frigideira, bem mal passado, no seu prato. Aspirou o perfume delicioso com imenso prazer, de olhos fechados, lembrando o tempo em que tinha um nome, amor e família. Cortou o primeiro naco de carne, espetou seu garfo e juntou pedaços de cebola, levando com cuidado até sua boca. Na primeira mordida, ouviu um barulho duro, metálico. Era a chave girando na fechadura da porta de entrada, logo depois o estalo da maçaneta e uma voz retumbante e assustadora gritando:

– Só um minuto querida! Vou confirmar se o fogão está apagado e retomamos a viagem.

Não condeno. Minha formação permite julgar, avaliar e pensar de maneira crítica, mas não condenar. Isso só pode ser feito quando calçamos os sapatos de alguém e vivenciamos sua experiência. Neste caso especificamente, tínhamos novíssimas botas de couro marrom com solas grossas de borracha de um lado, e um pé de sandália de tiras, muito gasta e ralada, do outro. Talvez porque no fundo no fundo, somos ainda animais selvagens cobertos por uma fina camada de verniz social, ou porque um pai de família, protetor dos seus, ao ver-se tomado de tamanha surpresa e atingido por uma forte descarga de adrenalina, parte para cima do inimigo perigosíssimo, franzino, esquelético e com a metade do seu peso, com tanta fúria ódio e descontrole que, ao arrastá-lo para fora de sua casa, coberto de socos e pontapés, não se dê conta, alguns momentos depois, que a multidão que acorreu ao local por causa dos gritos, batia sem parar naquele corpo inerte, já sem ar nos pulmões, com um estranho sorriso de felicidade na face encovada.

* * *

Naquele mesmo instante, saía para comemorar com a família e amigos, um ex-dirigente condenado por corrupção, libertado pelo saber jurídico e minúcias legais as quais somente os muito ricos e endinheirados têm acesso. Em um restaurante chique em Nova York, discutiam entre pratos caríssimos e vinhos de cinco dígitos, seu retorno triunfal à vida pública. Sentados à mesa com ternos bem cortados e camisas de linho brancas, de colarinhos sob medida, pavimentaram um futuro brilhante, com um discurso focado na defesa dos pobres e despossuídos, daqueles infelizes coitados que vagueiam pelas ruas do país sem ter o que comer e anseiam por um salvador que lhes dê o peixe, mas sem ensinar a pescar. Afinal, isso é muito perigoso, pois dessa forma eles podem sentir-se livres, com direito a escolher e pensar.

CaMaSa

Roubil

Roubil

Tão logo o mundo se curvou à nossa prodigiosa capacidade tecnológica de criar um sistema eleitoral de urnas infalíveis, demos um passo à frente de todos os sistemas jurídicos nunca antes elaborados na história humana, abolindo o crime de roubo. Esse superestimado sétimo mandamento, escrito a fogo em pedra por Deus, deixou de ser contravenção, da noite para o dia, por força do exemplo vindo de cima, em todo território nacional. O país passou a chamar-se Roubil, pátria de todos os roubileiros!

Graças a Alex, o Supremo, numa única canetada que uniu a elite jurídica, política, financeira, midiática, carcerária e zumbi de todo o país, roubar foi liberado, passando a ser ato tão corriqueiro e normal quanto comer. Irmão rouba de irmão, pai rouba do filho, patrão rouba do funcionário, cliente rouba do empresário, todo mundo rouba de todo mundo. De uma hora para outra milhares de ladrões inocentes, injustamente presos como bandidos, foram descondenados e postos em liberdade. A criminalidade diminui quase que totalmente, havendo até quem argumentasse sobre a inutilidade da polícia nesta nova era. No entanto, apesar de que alas mais radicais queriam inocentar também os assassinos, já que o ato de matar implica em retirar a vida de alguém, manteve-se a condenação pois ao roubar a existência do outro, não acrescia-se o infrator de objeto substancial e concreto. Sequestros eram casos especialíssimos pois ao tomar para si um ente querido, um filho por exemplo, de alguém, era sim o sequestrador beneficiado por um bem materialmente palpável, ainda que se tratasse de um simples ser humano. No entanto, eram raros os casos já que havia sido eliminada a necessidade de exigir resgate, uma vez que não era mais necessário dinheiro para se obter qualquer coisa. Bastava roubar!

Como se pode ver as mentes jurídicas divinamente privilegiadas tiveram muito trabalho para estabelecer essa nova ordem, esse novo Pacto Social. Evidentemente houve resistência. Alguns descontentes, homens e mulheres talhados no ferro e fogo da honestidade, incapazes de um leve furto, uma propina, uma mínima trambicagem, resistiram bravamente a essa onda de pilhagem e picaretagem, mas aos poucos, um a um, iam soçobrando no lodaçal de sacanagem, até que o último bravo, depois de centenas de vezes roubado e humilhado, faminto e sem perspectiva roubou uma maçã do amor de uma criança que a lambia.

O amor, sim o amor estava no ar. Esse período revolucionário era tão intensamente cheio de alegria e esperança, de norte a sul, leste a oeste, os desonestos cantavam e dançavam, pilhavam e saqueavam, destruindo tudo em seu caminho como uma ensandecida nuvem de gafanhotos humanos. Não era só a comida das quitandas, mercearias e supermercados, mas roupas de grife, joias e iPhones, 19, 20 e 21 Pro! Roubava-se gasolina nos postos e, quando não se tinha carro ou moto, roubava-se um veículo. Todos absolutamente felizes e empanturrados até a goela. O próprio Paraíso na Terra…

Mas em pouco tempo os estoques acabaram. O produtor não precisava produzir, mesmo porque se produzisse era roubado. O comerciante não precisava comprar e vender, só precisava ser roubado. Não havia mais energia elétrica, água e esgoto, serviços essenciais e hospitalares. Ninguém mais aprendia pois não havia escolas. Não havia salário! O país rumava a passos firmes para o colapso e, estranhamente, os países vizinhos antes alinhados com os rumos políticos e ideológicos, fecharam suas fronteiras por terra, por mar e por ar. Passaram a perceber o perigo que imigrantes roubileiros, habituados a esses conceitos extravagantemente libertários, representavam para suas populações e, principalmente, à ordem e passividade do povo, que os mantinha encastelados no poder. Por conta disso, um aliado histórico como Cuba reatou com os Estados Unidos, com quem estava rompido desde 1959, em busca de proteção!

Cada vez mais isolado e sem produção alguma, o Roubil em pouco tempo estava entregue às hordas de famintos liderados por facções armadas até os dentes. Os gestores da nova ordem foram sumariamente fuzilados e substituídos por novos líderes que eram imediatamente substituídos por novos líderes mais bem armados, numa sucessão de carnificina que fazia vergonha aos animais mais sanguinários da Terra. O país ficou retalhado em milhares de pequenos feudos em guerra permanente uns contra os outros. Não havia inocência, só dor, terror e morte. O sonho de uma humanidade livre da condenação pelo roubo, inspirada pela grandiosa verdade reveladora de que “roubar um celular para tomar uma cervejinha…” não era crime, precisava, para sobreviver, de sua expansão a todos os continentes, a cada país, cidade e vilarejo da Terra.

Os países vizinhos, apoiados pelas potências mundiais, invadiam avidamente o país, cientes das riquezas naturais disponíveis. Os roubileiros eram presa fácil, desorganizados, destruídos moralmente e abatidos. Argentina, Uruguai e Paraguai meteram-se numa guerra sangrenta, disputando o Sul. Mais uma vez o Paraguai não conseguiu levar suas fronteiras até o Atlântico. Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela partilharam o butim amazônico, enquanto a França tomava todo Norte e Nordeste através da Guiana Francesa. China e Estados Unidos dividiram entre si todo o resto.

Foi tudo muito, muito rápido. Em poucos meses o Roubil foi de um país do futuro ao ostracismo histórico. Porque as Constituições podem ser refeitas e reelaboradas, mal usadas e rasgadas, mas existem Leis naturais que definem a sobrevivência humana na Terra e no Universo, e estas não podem ser subvertidas. O homem não está separado da Natureza senão pelas suas ideias e pensamentos. É parte dela. É ela. 

CaMaSa