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Bons

Bons

 

Existe um pequena minoria

de infelizes pobres coitados e condenados

carregando o fardo da maldade e da miséria

do ódio e rancor cobiça inveja e destruição

 

Existe uma imensa maioria 

de brancos negros amarelos e vermelhos

bilhões de tons de pele colorindo esta rocha

sonhando um mundo de paz e honestidade

 

Existe um pequena minoria

cumprindo o seu papel na tela do destino

servindo de exemplo para a grande maioria

do que não deve ser feito aceito ou seguido

 

Existe uma imensa maioria

homens mulheres definidos e indefinidos

idosos encontrando o pó cansado da terra

bebês florescendo esperança nesta Terra

CaMaSa

Mazé na Disney

Os olhos do neto Pedrinho brilhavam de alegria diante daquela pessoa vestida de Mickey, com as calças vermelhas e dois grandes botões brancos, camisa branca, gravata amarela e fraque preto. As enormes orelhas e um sorriso permanente no rosto faziam desse personagem, cheirando a limpeza, simplesmente inesquecível. E era exatamente isso que ela queria proporcionar ao neto, momentos gravados na memória para sempre, definindo na galeria de experiências que ele teria por toda vida um lugar ao Sol para a avó. Exatamente o oposto do que ela mesma havia passado na infância pobre e miserável, sujeita desde o nascimento, e até mesmo antes, aos caprichos e maldades de pessoas que muitas vezes estavam ao seu lado para protegê-la. Piscou os olhos e por um instante voltou para Itacarambi, hoje São João das Missões, ao norte de Minas Gerais, numa das regiões mais pobres do Estado.

Maria José Sem Pai Declarado da Silva veio ao mundo como toda mulher negra e pobre, em grande desvantagem na corrida pelo sucesso da vida. Era a décima de uma prole de doze, chegando na família quando não havia mais leite disponível nas tetas, nas garrafas de vidro ou sacos de plástico. Havia no desabastecido posto de saúde local, vez ou outra, uma lata de leite em pó, economicamente diluído em latas de água barrenta. Ainda bem que no mato tem muitas folhas, plantas, raízes e frutos que passam despercebidos aos olhos sem prática, mas que podem alimentar um rebanho para quem já passou pelos ensinamentos da fome. E nisso sua mãe era catedrática, sabendo pela cor e pelo cheiro o que alimentava e o que matava. Os diversos e sucessivos maridos abandonavam a mulher e as crianças antes, ou tão logo, elas nasciam, deixando para sua mãe o encargo da sua própria sobrevivência e dos filhos. Perdeu alguns, vingou outros, entre os quais Mazé, que cresceu forte e saudável, cada vez mais preparada para o trabalho pesado e os infortúnios da vida.

São João das Missões fica a uma distância de 687 km de Belo Horizonte (capital) e a 247 km de Montes Claros, cidade pólo do norte de Minas, sendo o acesso realizado através da BR-135. Posiciona-se a 18 km do rio São Francisco e é marcado pelo Rio Itacarambi que banha quase todo o território do Município. A divisão administrativa do município constitui-se do Distrito da Sede, do Distrito de Rancharia, 32 Aldeias e a Terra Indígena Xacriabá. O Município ocupa uma área territorial de 679,89 km². Situa-se na micro-região do Vale do Peruaçu (Alto Médio São Francisco), norte do Estado. É a cidade mineira mais pobre, com o PIB mais baixo de toda Minas Gerais.

O município está sujeito a um clima tropical úmido de savanas, com inverno seco, em transição, no sentido nordeste, para um clima quente e seco, com chuvas de verão. A relativamente pequena variação da temperatura ao longo do ano, nestes climas, faz da variável precipitação, o principal parâmetro hidroclimatológico do Município, sob o ponto de vista de exploração agrícola. A variação mensal das precipitações e a existência de um período bastante seco, nos meses de maio, junho, julho, agosto e setembro. O tipo de vegetação predominante em São João das Missões, expressa-se por cerrado com áreas mescladas de caatinga ao centro-oeste. Ainda estão perenes, mas em visível agonia, os seguintes cursos de água: Rio Itacarambi, Riacho do Brejo de Mata Fome e Olhos D’Água. 

A principal atividade econômica desenvolvida no Município, é agricultura e a agropecuária. A agricultura é representada no cultivo irrigado e de sequeiro. Faz parte da cultura irrigada, o plantio de feijão, milho, cana-de-açúcar e tomate. No sequeiro, a cultura do milho, feijão catador, mamona e mandioca. A pecuária é desenvolvida com o objetivo de produzir bezerros para a venda, sendo, também, praticada a pecuária leiteira, despertando, também, a criação de caprinos, ovinos e peixe. O feijão, mamona e o tomate, são responsáveis por 70% de toda produção. Soma-se a estas atividades, as pequenas fabriquetas de farinha, rapadura, cachaça, queijo, etc. Demais produtos abastecem o mercado interno e o restante é comercializado na região. 

Mazé começou a trabalhar por volta dos 4 anos de idade, catando mamona, crente que estava brincando com os demais irmãos. A pequena estatura permitia o acesso à parte baixa dos troncos, protegida pela densa folhagem dos galhos dos arbustos. As mãos pequenas arrancavam as bolotas verdes e espinhosas que eram colocadas em sacos de lixo de plástico e despejadas, posteriormente, em latas vazias de 20 litros, de óleo ou azeitonas. Os irmãos mais velhos e maiores a colocavam nos ombros para que ela alcançasse os galhos mais altos. Desse modo ela passava a maior parte do tempo acima das folhagens, sem a proteção das sombras, tostando ao sol implacável pele e miolos. Passou a infância entre essas e outras atividades produtivas, tão ou mais cansativas, e os serviços domésticos normais de varrer o chão de barro da casa de pau a pique, pegar água no poço, cozinhar o quase nada que se tinha e fazer render para todos, matar aranhas e escorpiões e, de vez em quando, destroncar o pescoço de uma galinha.

Quando todas as crianças ainda são crianças, por volta de 10 a 11 anos, ela já era uma mocinha, despertando, com seus olhos matreiros e rasgados e a pele brilhante como noite de luar, o desejo dos homens. Numa noite, voltando da roça para casa sozinha, foi abordada por dois sujeitos mal intencionados que lhe disseram um oi com um forte soco no rosto. A menina rolou no chão cuspindo dentes e sangue, sem entender o que tais homens pretendiam! A machucaram, uma e outra vez, onde mais dói a dor de uma mulher violada e, por sorte ou azar, a abandonaram viva ao relento. Voltou para a mãe aos prantos e ferida, tentando explicar o que havia ocorrido. Levou uma surra para aprender a não ser tão oferecida, como já havia prevenido o atual namorado da mãe, sempre de olhos compridos e sedentos sobre a Mazé. Por segurança, garantia ou ciúmes, sua mãe resolveu que era melhor afastar a menina dali, colocá-la em casa de família para ajudar nos afazeres de alguma sinhá rica. Melhor fosse longe dali, em São Paulo, junto a alguma tia que por lá vivia.

Foi para São Paulo de carona num caminhão de sementes de mamona que seriam levadas para uma fábrica de óleo em Guaianases, perto de Ferraz de Vasconcelos, onde morava a tal parente distante, prima de seu pai. Se encontraram na porta da fábrica, sem beijo ou abraço, e foram para a casinha da favela onde a tia morava. Ela era empregada doméstica em casa de família que morava no bairro da Mooca, mas já estava com idade avançada, tinha 66 anos, e já não dava conta do serviço. A patroa concordou em colocar uma menina para ajudar e ela levou sobrinha a tiracolo para ensinar a rotina da casa e do trabalho. Mazé nunca tinha visto um piso de cerâmica, uma parede de azulejos, pias com torneiras ou vasos de louça “pra obrar”… Lhe pareceu tudo muito simples e leve, fácil de fazer e limpar. A cozinha tinha caixas de madeira onde se guardava louças e talheres, fogão que acendia a chama apertando um botão e geladeira cheia de bebida e comida.

A sinhá era moça e linda, boa de coração e se divertia a valer com o jeito caipira e engraçado da menina. Ela estava “prenhe”, com a barriga redondinha, pelo jeito vinha por aí uma menina. O marido trabalhava muito e quando chegava em casa ela e a tia já haviam se recolhido. Quando nasceu a criança, decidiram que seria melhor que a Mazé ficasse morando com eles na casa, instalada num quartinho. Pouco depois a tia, já muito cansada, deixou o trabalho, ficando a responsabilidade toda da casa nas mãos da sobrinha. Ela adorava sua vida e cuidava da menina como se fosse a princesa que seus pais diziam. Só a partir de então Mazé conheceu brinquedos, bonecas e esse rato de nome engraçado, “Miki”, que a menina nunca largava e só deixava a Mazézinha dar banho! Um dia os patrões viajaram para os Estados Unidos, levando a princesinha para conhecer a casa do tal ratinho simpático. Voltaram com muitos presentes e fotografias, contando com muita alegria o quanto era bom esse lugar chamado Disneylândia, uma terra de sonho e fantasia, onde o “Miki” vivia.

Mazé naquela noite prometeu a Deus e a si mesmo que um dia ela também iria viajar para esse lugar, economizando e juntando cada centavo que ganhasse do salário, das férias, do 13º, de qualquer extra que fizesse. Os anos foram passando, ela arrumou um namorado e um filho, outro namorado e mais três filhos, ganhou netos e muita experiência. Viu o Brasil deixar de ser governado por militares, ter eleições, presidentes destituídos, aborrecidos e ladrões. E a cada ciclo promessas grandiosas de progresso, justiça e felicidade para ricos e pobres, com planos econômicos mirabolantes onde ela era sempre convidada a colaborar sem participar da festa. Mas fez sua parte, não esqueceu a promessa e juntou os tostões sem saber quanto valia o dólar, até que teve o suficiente para conversar com os patrões e pedir conselhos. Estes ajudaram no que foi preciso, passagens, transportes e hospedagens, pediram ajuda da filha que a essa altura já morava em Miami, com o marido e dois filhos, e a levaram para o aeroporto, onde ela e o neto, pela primeira vez na vida tiraram os pés do chão num busão com asas.

Mazé abriu os olhos e viu o neto que agora a olhava com orgulho, certa que para ele a avó era um exemplo, um símbolo de sucesso como o tal do “Miki”. A avó era alguém que mostrou ser sim possível realizar um sonho, por mais simples que pareça, desde que seja buscado com fé, perseverança, honestidade, respeito e amor no coração.

CaMaSa

Reevolução

Reevolução

 

Há um forte movimento acontecendo,

envolvendo todas pessoas do planeta,

calmamente segue constante adiante,

feito rio subterrâneo de entendimento.

 

Poucos são os que sentem a corrente,

preocupados em vencer na superfície,

poucos tem quase tudo que é de todos,

quase todos só um pouco do restante.

 

Essa guerra milenar da humanidade,

o lixo social sujando a face da Terra,

mascarando toda beleza da verdade,

será arrastado pelo rio para o futuro.

 

Alguns cavam em si mesmos um poço,

chegam ao rio, recebem e agradecem,

bebem da água pura do conhecimento,

vivem na paz do amor e nele crescem.

CaMaSa

À Parte

À Parte

 

Sim, existe um mundo à parte 

onde não existe o mal e a dor

não há roubo nem corrupção

nem miséria ou fome ou sede

não há incômodo frio ou calor

a daninha cobiça não cresce

a inveja preguiçosa não reina 

não existe tristeza e injustiça

 

Sim, existe um mundo à parte

pleno de cor luz beleza e arte

melhor de mim a melhor parte

seu segredo não se comparte

é igual para todos sem aparte

pra quem chega e quem parte

não existe quem dele se farte

é amor infinito que se reparte

 

Sim, existe um mundo à parte

mesmo se você não o conhece

CaMaSa

Guto, o coala feliz!

No princípio os quatro elementos viviam isolados, terra, água, fogo e ar ocupavam cada um seu quadrado. Bilhões de milhões de anos eles assim viveram, cada um consigo mesmo ocupado, numa monotonia sem fim. Até que o criador de todas as coisas achou de achar que tudo estava muito sem objetivo e sem graça, era preciso agitar um pouco, movimentar e misturar para ver o que ia dar. E assim a Terra, que tinha água de um lado e terra do outro, foi violentamente abalada por maremotos e tempestades, terremotos e vulcões ruidosos, dilúvios de fogo e de gelo, por milhares de anos seguidos. Partiu-se em continentes e ilhas, montanhas, oceanos e rios, potencializando em sua nova fase multifacetada as mais variadas formas de vida. Uma dessas ilhas-continente, por seu tamanho isolamento e características, criou diversas formas muito exclusivas de animais peculiares, somente encontrados ali. Cangurus, Dingos, Vombates, Equidnas e Diabos da Tasmânia, entre outros, só existem e se reproduzem naturalmente na Austrália, o paraíso dos marsupiais.

Mas entre todos esses animais incríveis, há um muito mais que especial, o Coala. Na língua dos indígenas locais, Koala significa “animal que não bebe”. De fato, este marsupial, é bastante abstêmio: mata a sede com apenas o suco oleoso das folhas de eucalipto, praticamente o único vegetal que come.

O coala tem a cabeça pequena, o focinho curto e os olhos bem separados. O nariz é grosso e achatado, e está munido de grandes narinas em forma de V, com as fossas nasais muito desenvolvidas, que mexem no seu equilíbrio térmico. Tanto os membros anteriores como os posteriores possuem cinco dedos. O polegar das patas posteriores é bastante pequeno, não sendo dotado de garras. Os outros dedos são fortes e terminam em garras alongadas. Nas patas posteriores, apenas o polegar é oposto aos outros dedos. A pelagem densa e sedosa, desempenha papel importante na regulação térmica e na proteção dos agentes atmosféricos. Como o coala não constrói um abrigo, dorme exposto ao sol e à chuva. A pelagem do dorso é muito densa e de uma coloração escura que absorve o calor. Torna-se mais escassa durante o verão e mais comprida durante o inverno. Possui um bom equilíbrio e músculos possantes nas coxas, e quando escala uma árvore, a falta de cauda é compensada pelos dedos bastante largos e pelas garras muito desenvolvidas. 

Quando nosso amigo Guto nasceu pesava apenas 0,5 g e tinha menos de 20 mm de comprimento. O corpo era nu, cor-de-rosa e raiado de vasos sanguíneos; os olhos e os ouvidos estavam fechados; a boca, as narinas e as patas posteriores eram apenas um esboço. Somente as patas anteriores eram suficientemente robustas para lhe permitir executar sozinho o fatigante trajeto até a bolsa ventral da genitora e ali permanecer agarrado a uma das duas mamas de sua mãe. Por volta dos cinco meses e meio, ele começou a sair do seu tranquilo abrigo, mas sem se afastar muito da mãe e, ao primeiro sinal de perigo, tornava a entrar emitindo uma espécie de vagido. A permanência fora do refúgio materno foi aumentando e, aos 8 meses, tornou-se definitiva. A partir daí, ele só enfiava a cabeça no marsupial quando tinha fome e queria mamar. Durante as peregrinações noturnas, passeava agarrado sobre o dorso da mãe.

Os coalas todos viviam muito felizes, comendo e dormindo, dormindo e comendo. Seu único predador era o Dingo, mas mesmo esse, só atacava os muito idosos, já inertes no chão, despedindo-se das copas das árvores e da vida. Até que surgiu um novo bicho, estranho e nocivo, pelado, só com um tufo de pelos no alto da cabeça. Era o homem e toda sua selvageria vestida de domínio da tecnologia. Eles chegaram sorrateiros e silenciosos, em pequeno número, mas logo, em algumas dezenas de milhares de anos, dominaram toda a ilha. Os animais em geral e, principalmente os coalas, dos homens não se aproximavam, por desconfiança e medo. Aqueles que por ingenuidade ou ousadia cruzassem seu caminho, eram mortos ou enjaulados, perdiam a liberdade ou a pele e a vida. 

Guto, apesar dos constantes conselhos de sua mãe, tinha em si o vírus da curiosidade e gostava de explorar as matas e lagos das florestas em que viviam. À medida que crescia e se fortalecia, mais e mais ampliava suas pesquisas, conhecendo cada pedra, planta e flor do lugar. Um dia, envolvido com uma pequena fila de formigas que atravessavam o tronco de uma árvore tombada à beira de um rio, enfiou sua cabeça na água limpa e transparente para descobrir o que havia do outro lado da superfície. Nisso o tronco girou sobre si mesmo desprendendo-se da margem e derrubando o pequeno coala nas águas fundas do rio. Por instinto ele se agarrou ao tronco que começou a deslizar velozmente conduzido pela corrente. Apavorado, com a boca ainda cheia de água gelada, nem teve tempo de emitir um pedido de socorro. Foi levado para longe da segurança da mãe e do seu território, até que sua embarcação improvisada deteve-se numa curva mais estreita, há duas luas de distância.

Cansado e com fome o jovem coala começou a explorar o local em busca de folhas de eucaliptos para comer. Tudo era estranhamente quieto, não se ouvia o murmúrio dos bichos nem os cantos dos pássaros! Ele pensou que era porque estava num lugar desconhecido e distante, talvez tivesse poucos habitantes ou estivessem todos fazendo a sesta. Seus olhos estavam lacrimejantes, ele pensou que fosse sono, mas na verdade o ar estava denso e quente, difícil de respirar. De repente, viu uma coisa muito esquisita, que jamais havia visto. Era como uma pequena folha de outono, de pé, com cores vivas e brilhantes, amarela, laranja e vermelha, numa dança constante e inquieta. Aproximou-se curioso, lentamente, e tocou o nariz para cheirá-la. Saltou para trás de imediato, sentindo uma dor forte e profunda. Olhou ao redor e percebeu que muitas outras folhas como aquela pulavam de um lado para outro lançando uma fumaça cinza para o alto, deixando atrás de si um rastro escuro e fumegante de destruição!

Desta vez não era um ajuste da natureza, um desígnio do Criador. Era somente a inconsciência dessa criatura, o homem, fazendo mal à toda criação, seja através de uma bituca de cigarro jogada displicentemente, uma fogueira mal apagada, ou pela ganância desenfreada abrindo passagens e pastos, pondo a floresta no chão. Com o coração batendo forte e acelerado, Guto pôs-se a correr, na lenta velocidade dos coalas, buscando abrigo, mas viu-se cada vez mais cercado pelo fogo. Queimava as patas no chão tostado e sentia muita dor nos pulmões ao respirar a fumaça grossa, tossindo sem parar. Subiu num pequeno arbusto para se proteger mas a situação era terrível e insuportável. Pensou na mãe e nos seus conselhos, arrependido por ter se afastado dela. Chorou o choro triste dos coalas e as lágrimas de saudade misturaram-se às de ardência. Foi quando, entre lágrimas e fumaça, enxergou um vulto…

Viu, apavorado mas paralisado pela situação, que a coisa vinha em sua direção. Não conseguia distinguir com clareza, mas parecia ser muito alto, com pernas longas e braços compridos, andando ereto, conforme a descrição do bicho Homem, que sua mãe havia lhe fazia. Pareceu tirar a própria pele, uma capa, branca como neve, e veio lenta mas decididamente em sua direção, com a tal pele entre os braços erguidos. Envolveu-o com cuidado e o acomodou carinhosamente no peito, saindo de lá o mais rápido possível. Guto sentiu-se num marsupial e deixou-se levar sem resistência, desmaiando de exaustão.

A Ilha Canguru é uma área natural turística na costa do estado da Austrália Meridional, que abriga muitas espécies nativas, incluindo os coalas, cuja população local é estimada em 50.000 animais. Os incêndios catastróficos que assolam o sudeste do país por quatro meses mataram centenas de milhares de animais nativos, mais de 50% (da população) desapareceu. Outros (animais) ficaram sem habitat e morrerão de fome nas próximas semanas. Biólogos e voluntários lutam incessantemente para preservar esse habitat.

De acordo com um estudo da Universidade de Adelaide publicado em julho, os coalas da Ilha Canguru são especialmente importantes para a sobrevivência da espécie na natureza, pois são o único grupo importante que não sofre de clamídia, uma infecção bacteriana assintomática que pode causar cegueira, esterilidade e morte. Eles são uma espécie de seguro ou garantia para toda a população de coalas. Por não sofrerem de clamídia, os coalas da ilha não podem ser transferidos. Esses incêndios estão varrendo os animais do mapa. É uma das maiores tragédias para a população desses animais desde o final do século XIX, quando foram caçados por suas peles.

* * *

Algumas semanas de intensos cuidados devolveram a Guto todas suas habilidades motoras. As queimaduras e ferimentos estavam curados, com sua pele regenerada brilhante e sedosa. Ele havia se afeiçoado a todos ali. Descobrira que havia muitos homens bons, e que na verdade eles são a grande maioria. São pessoas que se importam com a vida de todos os seres do planeta, que se sentem parte integrante da natureza e lutam por sua preservação. Mas ele sentia falta da vida em liberdade e de sua mãe, e as pessoas ali compreendiam suas necessidades. 

Até que finalmente chegou o grande dia em que ele foi colocado em liberdade, para reencontrar o próprio caminho. Afastou-se dos amigos humanos sem olhar para trás e embrenhou-se na mata, já recuperada e verde. Não precisou andar muito até avistar uma figura muito conhecida. Era sua mãe que ainda o procurava com todo o amor que só as mães possuem no coração. Abraçaram-se apertadamente com imensa alegria, certos de que sua felicidade é a esperança para todos os coalas e todos os demais seres da Terra, em essência, todos irmãos.

CaMaSa