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Sei

Sei

 

Já nem sei como começo

me contento com o que mereço 

agora eu já nem mais peço

simplesmente sinto e agradeço 

 

Já nem sei como prossigo 

sem teu abraço feito um abrigo 

onde descanso sou e sigo

ao encontro do melhor amigo 

 

Já nem sei como termino 

me encanto com o meu destino

certo e exato fino e divino

escrito em mim desde menino

 

Já nem sei mas agora sei

CaMaSa

Fogo na Vila

Eu não devia contar esta estória porque tem muita gente conhecida, facilmente identificável, que deve se reconhecer ou ser reconhecida logo de cara, e alguém pode se ofender. Em todo caso, vou trocar os nomes e descrever detalhes falsos da aparência, na esperança de que ninguém as reconheça. Mesmo porque, tenho certeza que quem lê o que eu escrevo não está interessado nos detalhes pessoais dos personagens, ainda que sejam atos impublicáveis, desses que não devem ser mencionados nem mesmo no confessionário do padre Valentino, à meia-noite de uma Sexta-feira Santa. Confio na discrição de todos, certo de que não haverá comentários maliciosos e discussões acaloradas tentando apontar esse ou aquele possível participante do episódio em questão.

Certa noite, o Zecão, vamos chamá-lo ficticiamente Zecão, voltava do baile de salão do Bola Redonda, na Brigadeiro, a pé, como sempre fazia. Estava acompanhado do Rapa, do Minhoto e do Boca de Trigo, companheiros inseparáveis de todas as horas. Desciam a ladeira contando vantagens, falando das moças cheirosas, de cabelos brilhantes e pernas longas, que rodopiavam por todo salão. No fim da Brigadeiro viravam à direita para o viaduto Dona Paulina, passavam pela Praça Dr João Mendes, desciam a Tabatinguera, pegavam a Avenida do Estado, cruzavam o rio em direção à Radial Leste e percorriam todo viaduto até dobrar à direita na Rua dos Trilhos, para finalmente dobrar novamente à direita na Visconde de Laguna. Era uma caminhada e tanto, regada a conversa fiada e rum ou vinho baratos.

Evidentemente chegavam destroçados, com os pés ardendo e as vistas embaçadas de sono e cansaço. Na esquina da Vila Rodolfo Crespi havia o açougue do Seo Petrônio, famoso pelas facas afiadas que cortavam com facilidade as carnes mais duras e mantinham afastados os marmanjos de suas filhas, e suas carnes macias… Ele morava com a família no sobrado sobre o armazém, mas como era madrugada de sábado para domingo, o açougueiro, a mulher Clotilde e as filhas, Marabel e Maribel, estavam na Praia Grande, aproveitando o fim de semana. O estabelecimento tinha uma porta de enrolar, de ferro, com um sistema de fechamento de barras laterais, com uma fechadura central de chave comum, a 1,10 m de altura, além do cadeado de chão. 

Quando os quatro amigos passavam pela porta do açougue, perceberam uma fumaça branca, bem rala, saindo pelo respiro da parede. Acharam o fato estranho e se puseram a procurar uma forma de descobrir o que estava acontecendo. Zecão olhou pelo pequeno buraco de fechadura do portão de ferro e, entre espantado e assustado, viu a chama brilhante do fogo! Fogo? Fooogooo! Em 2 minutos e 18 segundos toda vila estava envolvida no processo de transportar água para a frente do açougue.

A vila era uma rua estreita com casas pequenas dos dois lados, em toda sua maioria ocupada pelos operários, e seus descendentes, que trabalhavam no cotonifício Crespi. Ela terminava no muro do estádio do Juventus, da Rua Javari, nas costas do gol leste, famoso por ser onde o rei Pelé fez o gol mais bonito de sua carreira. Zecão e sua família moravam na última casa à direita, e dela, no terraço construído especialmente para isso, tinha-se uma visão total e privilegiada do campo. Em dias de jogos, amigos e parentes reuniam-se no terraço para tomar cerveja, comer amendoim torrado e xingar o goleiro adversário. No dia em que Pelé fez esse gol, o estádio estava lotado, todos querendo ver de perto esse menino de 19 anos que vinha encantando no campeonato. Mas não era um bom dia para o futuro rei, até então, que estava muito apático e apagado. A torcida do Juventus gritava e vaiava a cada vez que ele tocava na bola e, num chute em direção ao gol, a bola subiu muito acima do normal e foi cair no terraço. Na festa que se seguiu, Zecão gritou a pleno pulmões: — Seu bola muuuurcha!

Por obra do destino o grito saiu num momento de silêncio no campo, o suficiente para que Pelé ouvisse. Ele focalizou o torcedor no terraço da casa e fez um sinal com a mão direita, como quem diz: — Me aguarde… 

Quem viu não esquece! O moleque ficou endiabrado, destruiu o Juventus e pra coroar a exibição magnífica, a certa altura do jogo recebeu um passe da direita, deu o primeiro chapéu entrando na área, deu o segundo e deu o terceiro. Ainda teve tempo de chapelar o goleiro, que saiu do gol desesperado catando vento, arrematando de cabeça para o gol. O público, a favor e contra, gritou seu nome por mais de 10 minutos!

Assim era a vila naquele tempo, para o bem ou para o mal, uniam-se para buscar soluções ou preparar comemorações. Mas no momento a prioridade era o incêndio no açougue e estavam lá homens, mulheres e crianças, nonnos e nonnas, cada um contribuindo com seu balde, sua bacia ou seu copo d’água em punho na luta contra o fogo. Muitos até já sentiam o cheiro de churrasco, da carne queimada, do sebo crepitando e estalando nas chamas. Os mais fortes tentavam abrir a porta de ferro com as próprias mãos, usavam cabos de vassoura, corriam na busca de ferramentas. Os bombeiros haviam sido chamados e surgiriam a qualquer momento.

Na fila indiana que se formou para o transporte da água, estava a neta da dona Santa, a levada Ziquinha, com a carinha sardenta e as maria-chiquinhas presas firmemente nas laterais da cabeça. Para uma criança de 8 anos toda aquela movimentação era uma farra e encontrar uma forma de tornar tudo mais divertido fazia parte. A menina encontrou o passatempo de molhar os dedinhos na água e espirrar na nuca das pessoas. Quando alguém se virava pra entender o que estava acontecendo, ela gritava: – Foi fulano que cuspiu! E caia na gargalhada.

Mas uma gota dessa brincadeira resvalou no rosto de Elvira, irmã da Carmela, que tomando as dores da irmã ralhou com Ziquinha. A menina correu para os braços da avó, que assustada respondeu a Carmela que cuidasse do próprio nariz, grande e espinhudo como uma jaca! A ofensa não passou em branco pelo filho de Elvira que devolveu com um “a Ziquinha é mal educada porque não se sabe ao certo quem é o pai”… Por muito menos que isso a vila já tinha se transformado em campo de guerra! O pai, no papel, da criança, soltou o balde no pé do ofensor e partiu pra cima, recitando todos os palavrões que normalmente se gritava no campo, de uma só vez. Um vizinho protetor do rapaz, pulou sobre as costas do pai de Ziquinha, ambos rolando no chão e levando consigo dona Santa e a Carmela. Esta perdeu a dentadura, que saiu voando e prendeu-se na orelha do Minhoto que já dava e tomava tapa de tudo que é lado.  Nessa altura do campeonato todo balde, toda lata, todo copo e toda água voavam de um lado pro outro sobre a cabeça de todos. Era uma profusão de camisolas e pijamas ensopados que se alguém jogasse confetes e tocasse uma música de Carnaval, pareceria que estavam todos dançando em homenagem ao Rei Momo! 

No meio de toda aquela enorme balbúrdia, surge Seo Olegário, o morador mais antigo da vila, com seu penico lotado. Era sua contribuição para o incêndio, já que a água custava caro e aos 98 anos, meio cego, meio surdo e meio pazzo, era melhor poupar. Quando ele chegou no meio da confusão, com o penico branco tremendo em sua mão direita, o Rapa, especialista em capoeira, lançava os pés para o alto num elíptico rabo de arraia, que golpeou o vaso particular do Olegário debaixo para cima. O penico subiu girando, girando, alto, bem alto, espalhando xixi pra tudo que é lado e para todos, numa chuva dourada coletiva. Foi como jogar gasolina na fogueira! A turba formou um bolo enorme de gente molhada e fedida, gritando e estapeando uns aos outros, tão envolvidos que nem perceberam a garoa paulista chegando de mansinho e aos poucos transformando-se em chuva grossa.

O açougue incendiado estava completamente esquecido, entregue aos bombeiros que acabavam de chegar e que ninguém havia percebido. Usaram ferramentas apropriadas para abrir a porta e encontraram um ambiente tranquilo e sossegado. Num canto, à direita, havia uma espécie de incensório improvisado com uma lata aquecida por carvão, queimando folhas cítricas e aromáticas para espantar mosquitos e muriçocas gulosas de carne, com uma fumacinha leve e cheirosa. No centro do balcão, cuidadosamente apoiada e bem protegida, luzia uma lamparina a óleo, diante de uma pequena estátua de Santa Boa Fartura das Carnes, protetora dos bois e das vacas. O lume da lamparina estava posicionado de tal forma que quem olhasse da rua pelo buraco da fechadura da porta, só veria uma chama brilhante, perigosa e maliciosamente ardendo.

Não era um incêndio afinal, mas proporcionou um evento inesquecível para todos os moradores da vila, que até hoje trazem em si lembranças na memória… ou no corpo!

CaMaSa

A Paz

A Paz

 

A Paz é água no deserto

luz na noite sombria

é ter você por perto

preenchendo o dia a dia.

 

A Paz tem outros nomes 

amor justiça alegria

pão quando comes

enchendo a barriga vazia.

 

A Paz é um belo presente

o maior da história 

só o coração sente

é Deus e toda sua glória.

 

A Paz é respirar gratidão

da vida estrela guia

bússola do coração

só por você eu conheceria

CaMaSa

Coisa

Coisa

 

A coisa está fácil está perto está dentro,

longe da borda, das esferas é o centro,

o ponto de equilíbrio, o fiel da balança,

quem busca fora sempre, não alcança.

 

A coisa está perto está dentro está fácil,

é uma coisa simples de criança, infantil,

pensamos que ela é só um passatempo,

quando notamos já não há mais tempo.

 

A coisa está dentro está fácil está perto,

só conhece quem aceita de peito aberto,

o mundo a girar em constante mudança,

quem tenta congelar o universo dança.

 

Está fácil está perto está dentro, a coisa.

CaMaSa

A Mãe

O doutor Cláudio Ribeiro tinha os olhos fixos no copo d’água à sua frente. Não que estivesse interessado ou com sede. Seus pensamentos estavam longe dali, mais precisamente numa tarde quente em Ipanema, no Rio. Estava com dois amigos num táxi que contornava a lagoa Rodrigo de Freitas, em direção ao Mistura Fina para mais uma noitada de jazz. Naquela noite ele conheceria Lara, uma turista gaúcha passando férias na Cidade Maravilhosa. Depois de dois olhares já estavam conversando animadamente sobre tudo: o cotidiano em Poa, a falta de perspectiva durante o regime militar, o sotaque marcado, Deus ou a falta dele, a vida… Ela tinha uma energia tão boa, que parecia brilhar como seus cabelos loiros naquele ambiente à meia-luz! Num dado momento, ela o encarou pensativa e perguntou se ele achava possível viajar no tempo? Cláudio olhou para o copo com água com gás gelada sobre a mesa, observou atentamente as bolhas subindo lentamente, e transportou-se para o presente.

– Doutor Cláudio! Doutor Cláudio… É a sua vez.

Despertou do transe, ergueu-se e dirigiu-se à plateia que o aguardava ansiosamente. No auditório havia representantes dos maiores institutos de pesquisa do mundo, como a Academia Russa de Ciências, a Universidade Harvard, Universidade de Tóquio, a Universidade Johns Hopkins, a Universidade de Toronto no Canadá, o Centre National de la Recherche Scientifique na França e as Universidades de Osaka e de Kyoto, no Japão. Representantes da elite científica mundial das mais diversas áreas de pesquisa tecnológica de ponta, todos liderados pelos estudos do consórcio internacional que inclui a United States Department of Health and Human Services (EUA), a Fraunhofer Society (Alemanha), CEA (França), a Japan Science & Technology Agency (Japão), a Agency for Science Technology and Research (Cingapura) e a Universidade de São Paulo (Brasil), sobre o RGHO (Rastreamento Genético Humano Original). O silêncio era lunar. Cláudio começou sua explanação:

– Há algum tempo, uma notícia causou grande furor no mundo científico. Aparentemente, os pesquisadores do CERN (Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear) conseguiram “encontrar” o chamado Bóson de Higgs – ou a “partícula de Deus”, que seria a origem de toda matéria existente no universo. O anúncio de tal descoberta esteve entre as principais notícias do mês, gerando polêmica e grande interesse de várias pessoas de diferentes países. Além do Bóson de Higgs, outras pesquisas científicas também ganharam notoriedade e admiração por apresentarem resultados surpreendentes. Entre elas está a possível descoberta de água líquida em Marte pela NASA, assim como a provável detecção da matéria escura – que é responsável pela gravidade que mantém as galáxias unidas, sendo um dos grandes mistérios da Física. 

Mas outras descobertas recentes que, apesar de não terem recebido um grande espaço na mídia, eram igualmente importantes, haviam estimulado a criação do consórcio internacional para os estudos do RGHO, entre elas:

  1. O DNA dos neandertais sobrevive em nossos genes

Um estudo genético comprovou que nossos ancestrais Homo sapiens cruzaram com neandertais e que, por isso, estes últimos sobrevivem até hoje no DNA dos humanos. Além disso, o estudo apresentou que não seriam apenas os neandertais a viverem em nós – também foram descobertos resquícios genéticos dos denisovans, os “primos” dos neandertais. Tal descoberta também foi importante por nos mostrar que o Homo sapiens não seria o produto de uma linhagem pura e longa, mas uma mistura hominídea. 

  1. Desvendando a “matéria escura” do nosso corpo

O RNA era visto como uma “matéria escura” do DNA, pois a complexidade de seu papel como “mensageiro” em levar, na forma de genes, as instruções necessárias para a produção de proteínas ainda era um mistério para a ciência. No entanto, aparentemente, uma “luz” caiu sobre essa questão – já que os cientistas acreditam terem compreendido melhor o papel do RNA como uma peça com grande influência na forma que os genomas operam em nosso organismo.

  1. Desafiando as leis de Newton

Materiais com bizarras propriedades ópticas e que possuem características que não são encontradas em elementos da natureza. Os chamados metamateriais – tecnologia utilizada por físicos e engenheiros para a manipulação e orientação da luz, criando lentes que superam os limites de outras lentes comuns. Com os metamateriais, os cientistas pretendem utilizar as propriedades ópticas não convencionais (que desafiam também as leis da física) para criar objetos incríveis.

  1. Células “reprogramadas” poderão criar tecidos e órgãos

Um dos grandes avanços na área da saúde está na “reprogramação” de células adultas. Com esta conquista, os cientistas conseguiram transformar células de pele ou sangue nas chamadas “células pluripotentes” – que possuem o potencial de se tornar qualquer tipo de célula existente no organismo. Tal descoberta é um grande passo para o tratamento de doenças raras, pois os cientistas já estão utilizando a técnica na produção de linhas de células voltadas a determinados pacientes.

  1. 9 a cada 10 células do nosso corpo são de micróbios

Há alguns anos, os cientistas vêm aprofundando as análises quanto à interação entre os micróbios e os nossos corpos. Aparentemente, criou-se a teoria de que eles, por fim, fazem realmente parte de nós – já que nove a cada dez células que possuímos são células microbianas. E isso não é algo ruim, acredite. Pelo que foi estudado até o momento, apenas poucos micróbios realmente nos deixam doentes, já que a maioria utiliza nosso corpo como “casa” e poderia ser classificada como “bons inquilinos”.

Com base nessas descobertas, integrando-as e fundindo-as num só projeto, a equipe do doutor Cláudio Ribeiro pôde concluir o rastreamento do código genético humano até o momento original, primeiro, o salto da irracionalidade animal para a razão humana. Haviam identificado o primeiro Ser pensante, conhecedor da sua condição diante do Universo que o cercava. A partir dele, todos foram gerados, sendo iguais em todos os sentidos, fisicamente e mentalmente, fazendo com que cada descendente que pense e organize uma linguagem através de quaisquer símbolos, supere todas as diferenças biológicas, culturais, étnicas, ideológicas, religiosas, etc. Isto significa que somos um e somente um corpo vivo. O sucesso da humanidade é o sucesso de todos e o seu fracasso é o fracasso de cada um.

Havia uma luz no ambiente clara como sol a pino, mas o ar estava gelado como nos pólos. Alguns dos presentes haviam esquecido de respirar por alguns momentos, tamanha era a expectativa e concentração. Cláudio limpou a garganta e prosseguiu seu discurso:

– Certa vez uma jovem bonita e radiante me perguntou se era possível viajarmos no tempo? Confesso que naquele momento nada pude responder, porque então era inimaginável tamanha aventura. Mas hoje, temos comprovada a seguinte possibilidade: ainda que não tenhamos como avançar para o futuro e lá encontrar nossa herança, podemos sim retroceder com segurança ao passado e encontrar respostas sobre nossa origem. Por meio das mais avançadas tecnologias científicas à nossa disposição, pudemos retroagir através de um caminho genético contínuo até o primeiro indivíduo dito humano e reconstituir a imagem desse ser humano original, gerador de toda a espécie, como quem refaz o caminho de um rio ao inverso, da sua foz desaguando no mar, até sua nascente gotejante no alto de uma montanha. Esse ser, aparentemente submetido a uma dieta a base de determinados cipós e folhas, foi acometido de um surto alucinógeno de profundidade espiritual indescritível, que o levou a ver a beleza que o cercava, nas cores das flores, no sabor dos frutos, no calor do sol e no brilho das estrelas da noite infinita, e até mesmo nos seus semelhantes. A partir daí, um fluxo ininterrupto de pensamentos e emoções tem percorrido cada descendente seu na face da Terra. Hoje podemos afirmar, com 100% de certeza, que esse primeiro hominídeo era uma mulher, a Mãe de todos nós.

CaMaSa

Photo by mharrsch on Foter.com / CC BY-NC-SA | Fonte: Tecmundo