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Na Lata

Na Lata

 

Esta é pra quem pensa que eu estou

falando de algodão doce e goiabada,

contando estorinha de conto de fada.

 

Estou cuspindo a verdade nua e crua,

mesmo sendo um infinito grão de nada,

sou cria de quem manda na coisa toda.

 

Sem ilusão, pois só estamos nesta Terra,

porque uma mulher foi amada, abençoada,

e essa coisa, sem pé nem cabeça, gerada.

 

Depois de um tempo, à força foi escorregada,

e tem início nossa jornada na primeira inalada,

pois não existe alguma outra porta de entrada.

 

E o segredo da curta e breve caminhada,

é compreender o que há em cada respirada,

ou seremos só adubo da terra, e mais nada.

CaMaSa

Cartas do Futuro

Daqui do futuro é possível, graças à evolução tecnológica, escrever para você! Vou tentar ilustrar o alto grau de civilidade que a humanidade alcançou, descrevendo as atividades banais do cotidiano dos habitantes deste belo planeta azul cinza. Realmente muita coisa mudou desde que fomos plantados por aqui e andávamos em harmonia com os demais bichos, quase nos confundindo com alguns. Sobreviver, buscando alimentação e abrigo, era extremamente braçal e cansativo, exigindo sujar as mãos de terra ou sangue. Além do que, grande parte das vezes, nós éramos o alimento! Felizmente o dom da inteligência colocou as coisas nos seus devidos lugares e hoje, daqui do futuro, colhemos os frutos da paz, harmonia e tranquilidade. Então, vou contar pra você como vive uma família comum nestes dias, sua rotina e as suas inter-relações com o todo, quando isso é necessário.

Basicamente vivemos em “células de sobrevivência”, que nada mais são do que abrigos super equipados com os mais variados recursos tecnológicos. Bem, uma pequena minoria é totalmente equipada. Algumas tem poucos equipamentos… outras não tem equipamento algum… E também tem muita gente que não tem “célula de sobrevivência” e sobrevive nas ruas mesmo. Mas, na média são construções seguras, amplas e arejadas, com grandes áreas envidraçadas e sistemas de “oxigenação termo-controladas”, garantindo conforto tanto nos dias quentes quanto nos dias mais frios. Na realidade, as construções abaixo da média, que são a grande maioria, enfrentam todo tipo de dificuldade, mas cada um se vira como pode… Muitas dessas “células” contam com sistemas de alimentação muito eficientes, onde se pode conseguir todo tipo de alimento nas “cabines frigo-reguláveis”, com carnes, verduras, legumes e frutas em profusão. Tudo pode ser levado aos “equipamentos de cocção alimentadores” para saciar os apetites mais diversos e refinados. Temos também “sistemas de descarte automáticos” para sobras e restos, que são levados para não sabemos bem aonde e se são utilizados para reaproveitamento matando a fome de algo ou alguém. Mas isso não vem ao caso. O importante é que vocês percebam o quanto evoluímos e como tudo funciona bem.

Eventualmente saímos de nossa “célula de sobrevivência” para alguma atividade externa. Para isso utilizamos “cápsulas de transporte” sofisticadíssimas, verdadeiros receptáculos de metal e vidro, que nos transportam através de um engenhoso “sistema de flutuação a ar vaso-circular-comprimido de borracha”, pelas ruas e avenidas perfeitamente calçadas, iluminadas e sinalizadas. Praticamente corremos sentados, sem tocar o chão, confortavelmente acomodados em poltronas de couro legítimo, observando, de dentro de um ambiente climatizado e com música ambiente, a paisagem externa com eventuais cenas de pessoas, aparentemente, com um gosto estranho para se vestir e asseio duvidoso, andando a pé, o que é totalmente desaconselhável, já que para nos exercitar contamos com as “esteiras eletrônicas de atividade corporal”. Cada um sabe de si, mas como eu ia dizendo, temos também “cápsulas de transporte” coletivos, e até subterrâneos, onde, dependendo do grau de civilização do país, pode ser até chique utilizar. Existem também “cápsulas” aéreas e marítimas, de todos os tamanhos e capacidades, transportando milhões de pessoas de um lado para o outro, gerando uma quantidade gigantesca de monóxido de carbono, contribuindo para esse belo tom azul-acinzentado do nosso planeta. Existem variações utilizando eletricidade, hidrogênio e outras alternativas não-poluentes, mas que não são economicamente justificáveis para uso em grande escala.

Assim nos locomovemos de uma “célula de sobrevivência” para outra, ou para as diversas “estruturas sócio-psico-organizadas” de trabalho, saúde, educação e consumo ou lazer disponíveis. 

As “estruturas de saúde” são grandes e eficientes espaços para a solução de problemas aflitivos da composição biológica humana. Bem… alguns são muito eficientes, frequentados por aqueles que ocupam certos cargos e funções extremamente reduzidos e específicos. A grande maioria no entanto ainda utiliza atendimentos baseados em orações, fé e esperança. Há centros especializados em atendimento animal, com tratamento muito mais humanizado do que para a grande maioria dos seres humanos!

Já as “estruturas de educação” descrevo com o maior orgulho! Nelas são depositadas todas as crianças que aos poucos vão deixando de ser fofas e começam a falar, gritar e reclamar de tudo, deixando seus pais malucos. Então passam a fazer tudo isso, em conjunto com diversas outras da mesma idade, em salas hermeticamente fechadas, aprisionadas e quase controladas por profissionais altamente gabaritados, treinados para conviver em meio à algazarra e balbúrdia. Pouco a pouco as crianças vão evoluindo, passando pela encantadora fase da agressividade juvenil, com foco principal nos professores, até chegar aos grandes “centros universais de pré-adultologia”, onde é estimulado fortemente a prática de contestação estéril, de resultados constantes e improdutivos, e as experimentações, constantes e improdutivas,  de todas as substâncias psico-álcool-viajandólica disponíveis, possíveis e inimagináveis. Terminam essa fase prontos para enfrentar a vida adulta, comandando os funcionários do papai, fazendo todo tipo de arte e abreviando vidas. Prontos para o trabalho! Muitos acabam não oferecendo benefício algum para a sociedade e seguem a carreira política.

As “estruturas de trabalho” trazem uma solução muito inventiva. Todos os bens e serviços foram transformados em mercadorias, que são trocadas entre todos de acordo com a necessidade de cada um. Usa-se um engenhoso sistema de pagamentos através de valores numéricos proporcionais à quantidade de horas consumidas na produção e ao valor intrínseco do produto ou serviço em si. Os valores são transacionados por uma terceira estrutura que cobra uma taxa variável em cada transação. Existem diversas estruturas, públicas ou privadas, que também cobram taxas sobre as transações, de tal maneira que aquele que tem alguma coisa para receber, acaba recebendo uma porcentagem muito menor do que deveria realmente receber. Desse modo, cria-se uma grande ilusão de que quem trabalha acha que está trabalhando e quem paga pensa que está pagando, e tudo vai funcionando de tal forma que a riqueza segue um fluxo constante de concentração. Desculpe, esse tema deve ser muito complicado para você que vive no passado. Não era minha intenção! Vamos voltar para coisas mais simples.

As “estruturas de oxigenação”, por exemplo, são espaços amplos, com muitas áreas verdes e espaços para esporte e lazer. Saímos de nossa “célula de sobrevivência” com nossa “cápsula de transporte”, nos conduzimos até o “abrigo estacionário de cápsulas” e praticamos a “caminhada passo a passo em esteira” sem esteira. O que é extremamente saudável e revigorante! Evidentemente existem muitas outras “estruturas de oxigenação” gratuitas, sem manutenção e segurança, onde a grande maioria da população corre o risco de perder a vida, ou algo muito pior, como o “APP – Aparelho Particular Pessoal” de comunicação.

Assim é o futuro: uma intensa e contínua inter-relação entre “células de sobrevivências”, “cápsulas de transportes” e “estruturas sócio-psico-organizadas”, gerando o atendimento das necessidades animais, racionais e irracionais, desse resquício de projeto divino chamado Ser humano.

Espero ter contribuído de alguma forma, oferecendo uma visão ampla sobre este que tem sido motivo de dúvidas e apreensão de muitas pessoas: o Futuro. Infelizmente, ainda não encontramos uma maneira de receber um feedback das gerações passadas, que se encontram na pré-história da “Era da Comunicação”, ainda engatinhando nesse processo. Felizmente algumas tentativas, aqui e acolá, tem chegado até nós através de envios de ícones rudimentares, praticamente pictogramas pré-históricos representados por um Positivo, um Coração ou Palmas. Eventualmente recebemos uma expressão ou outra, como um “Lindo”, “Muito Bom” ou “Parabéns”! Mas raríssimos são aqueles que arriscam compor uma frase completa ou uma análise mais estruturada.

Na real, quando menos se espera, você está no futuro, pois ele, assim como o passado, está em você. De qualquer maneira, por trás de toda a evolução e tecnologia, avanços ou retrocessos, existe a base de tudo, em pele, carne, sangue e ossos, entendimento e essência. E deve ser este o objetivo principal de cada um: a consciência da verdadeira felicidade em seus corações, infinita e real. Esse é o poder das pessoas. Só assim podemos conseguir as mudanças. Pois o futuro é somente o resultado de um presente fruto de um passado.

CaMaSa

Imagem: MAUROCOR

Escuto

Escuto

 

E se um pedido apenas fosse concedido,

certeza, não seria ouro, incenso ou mirra.

Saber escutar, somente isso eu quereria,

é a base, o primeiro passo da sabedoria.

 

Quando o amante não escuta sua amada,

a paixão se vai, não está mais enamorada.

Quando o pai não ouve o que diz seu filho,

este sai da linha, perde o caminho, o trilho.

 

Quando um rei não sente o clamor do povo,

perde o respeito e reina sem ser obedecido.

Quando o povo não entende o que lhe é dito,

nada mais é bendito, tudo torna-se maldito.

 

Então na doce calma do silêncio da alma,

ouço um sussurro suave vindo do infinito.

Presto atenção e agora ouço a voz clara,

falar a mais pura verdade na minha cara.

CaMaSa

Mágico

Mágico

 

Sou mágico mas não muito bom,

ilusionista comum, com um só dom.

Não tenho varinha cartola coelho,

só um simples truque, muito velho.

 

Iludo com letras palavras e frases,

conto estórias com diversas fases.

Distraio a atenção daquele que lê

a mensagem, que sente e não vê.

 

Te arranco uns segundos da toca,

quebro a rotina que prende sufoca.

Lembro do ser verdadeiro e amado

amando você, dentro, ao seu lado.

 

Pois quanto mais dele se aproxima,

mais a vida se completa numa rima,

sem as dúvidas, tristeza ou lamento,

mas paz, amor, luz e conhecimento.

CaMaSa

Os Assaltos – Parte 4

Enquanto Baruch dava seu último suspiro, Ruby deixava a cozinha e a despensa vazias para trás. Estavam tão abandonadas que nem os ratos ainda permaneciam por lá. Comida e bebida não frequentavam aqueles aposentos há muito tempo! Andou lentamente por toda sala de estar, cheia de sofás puídos, mesas empoeiradas e abajures mortos, deixando pegadas na poeira suja acumulada no chão. Subiu lentamente a grande escada principal, iluminada eventualmente por raios e relâmpagos cada vez mais intensos.

Mané havia deixado Tanaka de guarda no topo da escada caracol e tateava as paredes procurando por Genaro. Chegou ao grande parapeito circular e o percorreu até chegar ao lado oposto da escada. Encontrou uma reentrância na parede onde havia uma pia de pedra com metais dourados. De cada lado dessa bancada havia  banheiros com vasos sanitários e portas decoradas com figuras, femininas e masculinas, de madrepérola. Experimentou a torneira que cuspiu uma água fria e de gosto ruim. Matou a sede assim mesmo e enquanto limpava a boca na manga da camisa, sentiu uma fedentina pavorosa de esgoto. Se perguntou se viria do ralo da pia, quando ouviu um gemido assustador vindo de uma das portas. Arrepiou-se de pavor e, mais por medo do que por coragem, perguntou:

– Quem está aí?

– Uma alma, respondeu Zé, de olhos arregalados, todo cagado. 

– Que queres? Pelo fedor de enxofre vens dos quintos dos infernos. Devolveu o portuga de pulso acelerado.

– Sou de Garanhuns, seu lazarento. Poucos são os que me desafiaram e sobreviveram pra contar! Revidou o Zé, já pensando em pão quente com manteiga, um pingado e uma salada de frutas com groselha e aguardente.

– Pois vá-te daqui, infeliz! Aqui tens um cristão de dois dobrados, protegido da Virgem da Lata de Azeite e de São Bacalhau Salgado.

Aquilo atingiu Zé como um soco no estômago. Ele não teve outra alternativa senão lançar uma longa e potente bomba de gás. Mané atingido no nariz, saiu de lá cambaleante, em busca de ar puro. O outro aproveitou a oportunidade e abandonou o pobre vaso de porcelana à própria, e lastimável, sorte.

Nesse exato momento, sem que percebesse a presença dos dois homens, Tanaka chegava ao lado esquerdo do balcão, notando a ampla escada de madeira que se esparramava para baixo. Andou no escuro até o centro dela, no mesmo instante em que Ruby vinha do lado oposto em sua direção. Quando estavam a menos de meio metro um do outro, quase trocando suas respirações, um raio potentíssimo iluminou o ambiente, com clareza prateada,  por três longos, e quase eternos, segundos. Perceberam-se, viram-se, olharam-se e amaram-se intensamente como ninguém antes havia se amado. A magia da tempestade, a cega paixão dos olhos de vidro, a carência aguda de toda uma vida de incertezas, juntaram-se, tramaram e arrebentaram as máscaras e os mitos. Nunca haviam visto rostos tão ávidos de amor, e tão bonitos. Ruby viu-se menina inocente, nos seus 13 anos, diante de um príncipe. Tanaka viu dois olhos azuis, um normal e um de vidro, assim como ele. O tempo parou, congelou-os naquela paixão infinita que dura o espaço de tempo entre o inspirar e o expirar do ar nos pulmões.

Alheios a tanto amor e paixão, Zé e Mané, por razões próprias, deixavam o lugar em que estavam o mais rapidamente possível. Na pressa, nosso companheiro Zé pisou no rabo de um gato preto e magro que dormia o sono dos justos. O bichano, pela dor e pelo susto, soltou um grito apavorante, de gelar os ossos, que ao Mané pareceu Belzebu tomando um chute no saco, e ao Zé, a sirene de uma rádio patrulha. Correram 100 metros rasos em 8 segundos, cada um percorrendo o parapeito circular em direções opostas. Quando estavam a menos de 2 metros de se chocarem, bateram nas costas de dois corpos em transe, Ruby e Tanaka, que estavam bem no meio da escada. Os dois amantes chocaram-se tão violentamente que, com o impacto, os olhos de vidro saltaram das órbitas e desceram a escada, quicando os degraus. Tec, Tec… Tec Tec, Tec Tec… Tec Tec Tec, Tec Tec Tec… até rolarem no piso lá embaixo, parando cada um em um lugar. 

Apavorados e envergonhados, os dois enamorados desceram a escada desesperados, tropeçaram e rolaram até o chão. Ruby engatinhava procurando a bola de vidro com as mãos, enquanto Tanaka jazia desacordado nos últimos degraus. Quando ela encontrou um olho, foi agarrada pelos braços por Alfa Berto e Zé, que gritavam alucinados:

– Corre Ruby! A casa caiu… É a polícia. Cooorre!

Ela tentou resistir, mas o medo da prisão e a força dos dois homens, foram muito maiores. Deixou-se levar até o DKW estacionado diante da mansão e aos poucos deixou-se controlar pela razão.

Genaro deixou o aposento do falecido Baruch e, com a lamparina iluminando o caminho, encontrou Mané tentando reanimar o amigo japonês. Tanaka acordou com o Genaro explicando o que o ex-patrão tinha dito e o que havia acontecido, e calmamente saíram da casa, já noite alta, rumo ao próximo dia. 

Cada um dos seis tomou uma direção na vida…

Genaro tornou-se um pequeno empresário, sustentou algumas famílias de funcionários driblando as dificuldades da compra e venda, dos impostos altos e lucros baixos. Juntou em torno de si filhos, netos e bisnetos, até que amanheceu um dia em sua cama duro e gelado, no rosto uma expressão de missão cumprida.

Zé deixou o emprego de servente de pedreiro e conseguiu uma vaga na indústria automobilística. Com as sementes teóricas plantadas pelo companheiro Alfa Berto na cabeça, vinculou-se ao movimento sindical e evoluiu, chegando à liderança de uma importante categoria de trabalhadores, reivindicando melhores condições de trabalho e uma sociedade mais justa. Mas não assumiu a responsabilidade por nada.

Mané vendeu sua parte na sociedade para o amigo e voltou para a terrinha, onde o aguardavam sua mulher e seu filho, seu sogro e sogra, com festa e terno de casamento prontos. Fez mais alguns filhos, investiu e prosperou com o capital recebido, plantando oliveiras e parreiras, sonhando sempre com um Brasil que deixou para trás.

Alfa Berto voltou a ser simplesmente Alberto, entrou para a faculdade de Administração de Empresas e assumiu os negócios da família. Levou os negócios do pai a um patamar muito elevado, formou cartéis, comprou políticos, juízes e presidentes. Construiu um império de corrupção multinacional e estádios de futebol, entre outras obras monumentais.

Ruby foi presa numa batida rotineira. Identificada como subversiva, foi deportada junto com outros conterrâneos para a Argentina. Lá enfrentou a violência de uma ditadura implacável que não mascarava a situação de conflito interno, declarando a guerra abertamente aos inimigos. Alguns meses depois de confinamento em porões insalubres, foi convidada para um passeio de avião. A 4.000 pés de altura, com a porta da aeronave aberta, pediu ao algoz um último desejo. Que lhe tirassem o capuz da cabeça. Foi lançada para um vôo solitário na noite escura e gelada, com as mãos firmemente amarradas às costas. Abriu os olhos, um azul e um negro de vidro, para admirar a paisagem, com a coragem infinita dos que acreditam num mundo mais livre e justo, e mergulhou sem volta no mar profundo.

Tanaka também pegou sua parte da sociedade e caiu no mundo à procura de sua amada. Perguntava a todos se haviam visto uma deusa de olhos azuis que havia roubado seu olhar e seu coração. Começou a pichar mensagens em postes e muros, placas e monumentos, até que foi preso e interrogado. Consideraram suas frases desconexas subversivas e o prenderam sem direito à defesa, por questões de segurança nacional. Sofreu, apanhou, foi afogado em tambores de água suja, pendurado em pau de arara e tomou choque nos testículos. Nada confessou porque nada tinha para confessar, somente sua paixão pela moça da mansão. Cansaram-se dele e o transferiram para o manicômio, onde sofreu, apanhou e foi mais maltratado e dopado. Passado algum tempo, o puseram na rua, mais confuso e doente do que quando entrou. Foi socorrido por um parente muito idoso, um tio que morreu lhe deixando ferramentas de marcenaria da mais alta qualidade. Serrotes, martelos, formões, chaves-de-fenda e plainas de precisão. Um dia bateu à porta da oficina do meu pai que o aceitou prontamente. Trabalhava a madeira com perfeição, mas tinha o hábito de escrever em pedaços de madeira suas mensagens que ninguém compreendia. Não conversava com ninguém e se alguém tentasse uma aproximação era repelido com violência verbal. Falava somente o necessário comigo, quando aos 12 anos eu fazia o pagamento dos funcionários. Sentava-se diante de mim, eu apresentava as contas e, se tudo estivesse do seu agrado, repetia a história da linda moça que roubara seu olho numa noite sem fim.

* * *

Dois meses depois da morte de Baruch, um grupo de agentes da C.I.B. – Central de Inteligência Brasileira, fora designado para uma missão numa mansão abandonada na Avenida Paulista. Havia suspeitas de movimento terrorista no local e o proprietário, um judeu bilionário, havia desaparecido deixando toda sua fortuna para instituições de caridade. Invadiram o local arrombando a porta principal e deram início às buscas. Chegaram a um pequeno aposento, onde jazia um corpo em decomposição, cheirando muito mal e esparramando fluidos já ressecados pelo chão.

– É sempre assim. A gente sempre chega quando a merda já aconteceu, disse o sargento Moura.

– É… a gente que vai ter que limpar isso daí… respondeu o Cabo Naro.

CaMaSa