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“Ladybug ladybug, fly away home / Your house is on fire, your children do roam”.

Houve um tempo em que os homens estavam mais próximos da natureza, por formação e necessidade. Nascia-se nas áreas cultiváveis e dali se tirava o sustento para sobreviver. As cidades eram refúgios de segurança e locais de troca de mercadorias e informações. Não havia registros nem livros, praticamente tudo era falado e contado, transmitido de geração a geração. A palavra de um homem era um documento firmado, dela vinha sua honra. Então para nós, que hoje temos toda a informação que queremos nas pontas dos dedos, em forma de telefone celular, pode parecer que a vida daquele tempo era monótona e sem graça, arrastada e difícil de preencher, mas, pelo contrário, era muito agitada e excitante!

Os animais eram parte integrante da existência, sendo uns mais próximos que outros dos homens, conforme a utilidade de cada um. Num intrincado método científico-filosófico, Deus, não o de barba branca, mas o Criador da coisa toda, vai criando e adaptando os bichos, de minúsculos insetos a mamíferos gigantes, de acordo com a necessidade de comer ou ser comido pelo homem. Então o Boss foi criando peixes e minhocas para pescá-los, passarinhos para comer minhocas e botar ovos nos ninhos. Alguns caíam do galho e ficavam pelo chão sem aprender a voar e viravam galinhas, patos, marrecos e gansos, que serviam para fazer travesseiros, com penas de ganso! Como nasciam muitas dessas aves domésticas, surgiram então as raposas que usavam todo tipo de artimanhas para invadir os galinheiros e sair de lá com uma penosa. Cansados dos furtos, os homens voltaram suas preces para o Manda-Chuva que imediatamente atendeu seus anseios enviando um lindo casal de cachorros. Esses tornaram-se excelentes guarda-costas das galinhas, dando alarme e perseguindo as raposas que delas se aproximavam. Também foram criados os Bulldogs, que só dormiam e peidavam, mas isso é uma outra estória. Seja como for, em reconhecimento à utilidade e dedicação, os homens ficaram muito amigos dos cães em geral, retribuindo com companhia e fidelidade os bons serviços prestados. Mas como estamos na Terra, não no Paraíso, os grãos plantados e colhidos em grande quantidade tinham que ser armazenados e, para isso, eram construídos locais apropriados para preservar os alimentos ensacados. Surgiram então os ratos e, na sua cola, os gatos, muito bons, muito bacanas, mas inimigos dos cães…

E assim seguiu Deus criando cobras e lagartos, elefantes e leões, bois e cavalos, escorpiões, mosquitos e hipopótamos, jacarés e borboletas, sempre atendendo os desejos e necessidades dos homens, até que chegou um ponto em que eles não o viam mais como O Criador, mas um empregado que estava ali para servi-los. Não era mais respeitado, nem temido e nem amado. Ele viu-se triste e deprimido com a situação, questionando-se sobre seu papel. Decidiu que devia abandonar os homens à sua própria sorte, refugiando-se em local secreto e seguro, onde não pudesse mais ser incomodado. Deixou atrás de si uma infinidade de obras não concluídas, muitas delas sem fazer sentido até nos dias atuais. Afinal, para que serve um ornitorrinco ou um peixe-gota? 

E assim, homens e mulheres viram-se de repente abandonados na face da Terra, tendo que enfrentar e resolver as questões que surgissem no dia a dia. E até que se deram bem por um tempo, criando sistemas engenhosos de habitação, transporte, captação e armazenamento de água e plantio de alimentos. Em tempos de paz e estabilidade mais e mais era necessário organizar as lavouras para gerar alimento suficiente para todos. Verduras, legumes e frutas eram plantados e colhidos em grandes quantidades, muito além das necessidades da população. 

Nesse clima de fartura e boa esperança jovens casais uniam-se em matrimônio na certeza da constituição de famílias ricas em felicidades e filhos, muitos filhos. Um desses casais era formado por um rapaz inteligente e bom, querido por todos, chamado Amado, e uma jovem bela e simpática que a todos cativava, chamada Amada. Uniram-se com a benção e o incentivo das famílias e deram início à construção do próprio patrimônio, plantando o futuro num pedaço de terra carente de cuidados e repleto de pedras. Acariciaram a terra castigada com as mãos, enxadas e arado, e com as pedras recolhidas construíram um lar seguro e sólido. Aos poucos, com muito esforço, dedicação e semeadura, a propriedade foi se transformando num jardim. Havia flores e frutos por todo canto e as lavouras de trigo e algodão cresciam abundantemente. Castanheiras e oliveiras vergavam os galhos de frutos, quase chegando ao chão. Estavam prontos para o próximo passo. O primeiro filho completaria a felicidade do casal.

Mas Deus havia deixado alguns seres tão insignificantes ao longo da história, que ninguém lhes dera a devida atenção. No entanto, em meio a tamanha abundância e desperdício, esses pequenos parasitas cresceram e multiplicaram numa proporção geométrica, alimentando-se vorazmente de tudo que era plantado e cultivado com tanto sacrifício. Em pouco tempo os alimentos passaram a escassear e logo a Terra, que era um imenso jardim, tornou-se ressequida e estéril, tendo substituídas suas belas cores por sombras de desolação.

Surgiram muitos especialistas, estudiosos de botânica, biologia, química e artes esotéricas conhecidas e desconhecidas, para interpretar e dar significado a tudo aquilo que não tinha explicação. Eram chamados de magos, fadas ou bruxas, conforme o humor e a região. Uns eram respeitados outros temidos e outros simplesmente ignorados. Alguns criaram poções venenosas que matavam os pulgões, como foram apelidados os parasitas, mas lamentavelmente matavam também as plantas. Muitos desses bruxos foram expulsos do convívio social e passaram a vida inteira isoladas no interior de densas e completamente inabitadas florestas.

Amada, em meio a tanta devastação e tristeza, viu seus planos de maternidade serem interrompidos, com seu ventre entristecido e árido, como a terra que os cercava. Ela e Amado lutavam desesperadamente para salvar o pouco que lhes restava mas, muito além de suas cercas, na densa floresta virgem, até onde a vista alcançava e a terra fazia sua curva, tudo estava morto e sem vida, com galhos secos sem uma folhinha verde sequer de esperança. Os rios estavam sujos e poluídos por carcaças de animais vencidos pela fome. Era preciso se embrenhar cada vez mais profundamente na mata para encontrar alguma água limpa para beber.

Certa manhã, Amada munida de dois grandes baldes pendurados num galho rijo de madeira apoiado em suas costas, embrenhou-se floresta adentro à procura do cada vez mais raro líquido. O sol já estava a pino quando parou para comer um pequeno pedaço de pão e deu-se conta que até o momento não havia encontrado uma única gota. Seguiu em sua jornada cada vez mais desorientada pelas sombras da mata fechada e do rápido entardecer, com o Sol mergulhando velozmente na noite escura. Viu-se completamente perdida, em todos os sentidos, caindo no chão esgotada e adormeceu banhada em lágrimas.

Quando acordou pela manhã, sentiu a grama fresca sob seu corpo revigorado e ouviu pássaros cantando alegremente. Abriu os olhos para uma realidade colorida e verdejante, com flores e frutos brilhantes de vida e orvalho. Pulou num sobressalto e viu mais adiante uma pequena choupana, limpa e bem cuidada, de onde fumegava um fio de fumaça branca de uma chaminé. Antes de dar o primeiro passo, viu a porta principal sendo aberta e dela sair uma senhora de cabelos e avental brancos escorridos sobre roupas cheias de remendos coloridos, como se fossem feitas de colchas de patchwork. Surpresa, a anciã veio em sua direção com um sorriso muito amável no rosto e lhe disse:

– Quem é você? Há muito tempo não recebo uma visita!

– Eu, eu, sou Amada… respondeu sem entender a jovem.

– Venha! Venha para dentro comer alguma coisa. Você me parece muito sedenta e faminta. Vamos experimentar minha nova receita de pão de canela que acabei de inventar.

O interior da casinha era tão surpreendentemente lindo como o exterior que a cercava, com móveis, cortinas, potes e utensílios variados, cuidadosamente limpos e organizados. No fogão a lenha o bule de café exalava um aroma maravilhoso e do forno vinha um perfume de maçã e canela inebriante. Amada, de olhos arregalados, observava a anfitriã mover-se com agilidade e leveza, enquanto seu estômago roncava com fúria. Resistiu bravamente enquanto as mais variadas delícias eram colocadas à sua frente, mas só as atacou quando a gentil senhora sentou-se diante dela e a incentivou a dar a primeira mordida.

Ela era aparentemente muito idosa, com o rosto totalmente envelhecido e marcado por infinitas rugas, mas seus olhos verdes tinham uma jovialidade contrastante com o restante do seu visual, como um oásis de frescor no meio do deserto. Enquanto Amada saciava sua sede e fome, ela foi contando sua história.

Chamava-se Bondade e vivia na floresta desde tempos imemoriais. Achava que tinha nascido ali, junto com as árvores e os animais. Havia dado nome e sentido a muitas plantas e bichos que por ali floresceram e deram os primeiros passos. Nunca sentiu necessidade de ir ao encontro de outras pessoas, pois sempre entendeu sua missão de manter viva a pureza da Terra, livre de contaminações. Amada, diante de uma narrativa tão bonita, contou envergonhada o que se passava com ela e com o mundo e como todos haviam perdido a esperança em alguma solução.

A anciã lhe sorriu bondosamente, pôs sua mão sobre a barriga de Amada num gesto de muito carinho e convidou a jovem para acompanhá-la até uma pequena saleta, repleta de pincéis e potes com tintas. Numa pequena mesa de madeira havia uma lente de vidro apoiada numa haste dobrável. Bondade pediu para que ela sentasse e olhasse através da lente. Ela viu uma intrigante fila bem organizada de pequenos insetos marrons, à primeira vista minúsculas baratinhas, com não mais de 8 milímetros. Pareciam aguardar algum comando para se movimentar e, de fato, quando a idosa senhora sentou-se no banquinho e bateu duas vezes com um pequeno pincel sobre a mesa, o primeiro bichinho da fila começou a andar e parou, de costas para elas, bem no centro da mesa. Amada viu sua anfitriã pintar habilmente de vermelho a carapaça arredondada do pequeno inseto e finalizar com pequenas manchas escuras. Os bichinhos sucediam-se respeitosamente para serem pintados de diversas cores e cada um tinha um padrão único de manchas. Após alguns segundos de secagem, erguiam a proteção, agora colorida, e exibiam abaixo delas asas transparentes que eram batidas numa velocidade espantosa, fazendo-os voar pelo aposento. 

Bondade contou que havia batizado esses seres minúsculos com o nome de Joaninha e que eles, em sua grande humildade, podiam ensinar aos homens uma bela lição. Principalmente, viver sem desperdiçar a energia e defender-se com suavidade. Somos pequenos diante do Infinito, mas nos abrindo a Ele, percebemos que a Eternidade nos habita. A carapaça é a nossa mente, onde vivem os pensamentos, mas abaixo dela estão os sentimentos, as asas do coração, que nos fazem sonhar e voar. 

Explicou também que as joaninhas se alimentam de parasitas menores que atacam as plantas e que por isso elas são símbolo de fertilidade, pois onde há joaninhas chega o novo, a transformação e o crescimento. Pôs sua mão sobre a barriga da jovem num gesto de muito carinho e sorriu esperançosamente. Pegou uma pequena caixa de vidro com milhares de joaninhas e presenteou Amada, dizendo para espalhá-las por suas terras para que elas fizessem seu trabalho. Despediu-se num abraço terno e convidou-a para voltar ao interior da floresta sempre que fosse necessário buscar mais joaninhas.

Quando Amada chegou em casa, encontrou seu Amado desesperado pela ausência dela. Ela contou o que havia acontecido e logo espalharam as joaninhas por toda plantação. Elas rapidamente comeram os parasitas e, fortalecidas, reproduziram-se rapidamente espalhando a boa nova por todo lugar. Em breve, toda a Terra estaria recuperada, salva pelos humildes insetos coloridos e pela Bondade.

CaMaSa