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Peço

Peço

 

Tiro a angústia do peito

absorvendo cada alento 

sendo feliz do meu jeito

além do merecimento

 

quem espera a felicidade 

dos ajustes à sua volta

cego à interna eternidade

só verá guerra e revolta

 

porque não se põe o dedo

para dizer isto é o mundo

aquilo que vence o medo

vive dentro de um segundo

 

entre o ir e vir respirado

do movimento da vida

desde sempre sonhado

paz prometida cumprida

 

peço por mim e todos

pois somos um e um só

de vários tipos e modos

feitos de sombra luz e pó

CaMaSa

Os Assaltos – Parte 1

Tudo estava milimetricamente calculado. Haviam passado meses estudando mapas, horários e possibilidades. Avaliaram todas as variáveis, antecipando movimentos como num jogo de xadrez. Exatamente para que não fossem parar no xadrez! Genaro, Mané e Tanaka sabiam que não tinham alternativa e que o dinheiro do patrão, o judeu Baruch, aguardava-os de braços abertos. Os três trabalhavam na fábrica de sapatos da Rua Dom Bosco, que ficava embaixo da fábrica de celuloides para relógio de pulso. Era um armazém pequeno, de dois andares, com 10 metros de frente por 40 de profundidade. O couro dos sapatos chegava em rolos, era liso de um lado e acamurçado do outro. Era aberto sobre bancadas de madeira e funcionários treinados marcavam a giz os defeitos, que eram recortados cuidadosamente com estiletes afiados como bisturi. A menor imperfeição, um furo feito em cerca de arame farpado ou a marca de um berne, era sumariamente extirpada. Depois, a peça de couro era posicionado em bancadas lisas, de madeira macia, e eram cortados habilmente com o auxílio de moldes pré-determinados, de acordo com o modelo de sapato. A peça era aproveitada ao máximo, restando somente pequenas tiras da matéria-prima, que eram acumuladas em tambores para descarte. Os moldes recortados eram furados, pespontados e costurados, esticados sobre modelos de madeira, compostos de duas partes unidas por um sistema de parafusos que, depois de um certo tempo, eram reaproximadas e retiradas do interior da peça de couro. Esta era colada à palmilha e posteriormente fixado ao solado de couro grosso para finalmente ser dado o acabamento.

Genaro emigrara da Itália nas primeiras levas da década de quarenta, e trouxera de lá a técnica dos “scarparos” apreendida do pai e do avô. A falta de oportunidades no país natal, trouxera ao Brasil um jovem idealista, beirando o anarquismo, cheio de fome e ambição. Imaginou que viria para uma terra de sonhos e dinheiro fácil, mas só encontrou dificuldades e condições de trabalho precárias. Conheceu a esposa mineira numa viagem de bonde, seduziu-a com seu bigodinho fino à Clark Gable e, rapidamente, colocaram mais quatro bocas famintas no mundo.

Mané era o intelectual do grupo. Viera de Rabaça, distrito da Guarda, província de Beira Alta, aos 17 anos, fugido de um pai enraivecido de uma menina linda, com os primeiros pelos do buço surgindo e o ventre cada vez mais volumoso. Ele penteara o buço, a boca, o pescoço e tudo mais que o desejo lhe dizia, com seu farto bigode preto e brilhante como piche. Pé rapado, sem eira nem beira, lançou-se ao mar em direção ao distante Brasil, onde tinha um tio-avô que nem conhecia, de quem dizia-se ser rico e influente no negócio de pães e farinha. Quando o encontrou, velho e maltrapilho, descobriu que o tio era faxineiro na padaria, e o seu negócio com farinha era varrê-la do chão!

O Tanaka era o mais jovem, tinha 20 e poucos anos, bonito e com o corpo bem delineado, imberbe, não tinha bigode. Era nissei de primeira geração e do Japão tinha somente um olho puxado. O outro havia perdido num acidente doméstico e, por conta disso, usava um de vidro que dava ao olho um formato mais arredondado, ocidentalizado. Seja por causa do trauma do acidente na infância, tinha 3 anos de idade, seja por questões genéticas, ou porque o Criador assim quisera, o japa tinha uma leve defasagem entre a idade biológica e a mental, que o mantinha razoavelmente mais sorridente que o normal, além de muita dificuldade para compreender a realidade que o cercava. Era extremamente tímido, nunca havia namorado e, talvez, nunca tinha conversado com alguma garota.

Genaro porque precisava, Mané porque ainda amava a mãe do filho que não conhecera e Tanaka, porque não entendia muito bem o que fariam, cada um com sua razão, juntaram-se no objetivo comum de tomar do velho Baruch uma parte do dinheiro que lhes cabia. O judeu passou mal bocados na vida! Era um dos poucos anciãos que haviam estado em campos de concentração nazista e saiu vivo de lá para esquecer. Usou de muita astúcia e malícia para sobreviver. Comeu unhas, ratos e insetos. Negociou, fingiu, lambeu botas, traiu e delatou. Não tinha amigos e parentes quando lá chegou e ganhou inimigos de ambos os lados quando saiu. Mas sobreviveu. E ainda saiu de lá com um tesouro! Uma moeda de ouro, que surrupiou de um sargento alemão e acusou um companheiro de cela pelo roubo. Este pagou com a vida, mas a morte já o esperava de qualquer maneira, Baruch só antecipou o encontro algumas semanas.

Quando chegou ao Brasil, o velho judeu encontrou um mundo de oportunidades de negócios numa terra de gente indolente e lasciva, mais interessada no que fazer nos fins de semana do que ter lucro na compra e venda de mercadorias. Em pouco tempo descobriu os melhores fornecedores, conseguiu maiores prazos e as condições mais favoráveis para juntar um pequeno capital. Não gastava, só acumulava. Pouco comia, estava habituado a passar fome, não bebia, não tinha luxos. As roupas puídas e manchadas disfarçavam um personagem que enriquecia rapidamente na cena paulistana do pós-guerra. Pelo contrário, faziam dele um comerciante que a concorrência acreditava ser fácil de enganar, mas na realidade era uma aranha que pacientemente tecia sua teia de empréstimos a juros exorbitantes, à espera das moscas, de roupas finas e nomes pomposos, que seriam devoradas sem misericórdia. Quebrava-os tomando suas fortunas, seus bens, seus imóveis e sua honra. Em pouco tempo estava milionário, bilionário, mas mantinha a mesma rotina miserável. Morava sozinho numa mansão de 36 aposentos na Avenida Paulista, quase em frente à dos Matarazzo, na época em que a avenida ainda não havia sido completamente tomada pelos arranha-céus do império financeiro. Seu único prazer era passar a noite polindo, com uma velha flanela, as moedas de ouro que havia acumulado, à luz fraca e baça de uma lâmpada a óleo que tremeluzia na escuridão da mansão fantasmagórica.

Naquela noite amaldiçoada, Genaro, Mané e Tanaka saíram, cada um de sua casa, em direção à Avenida Paulista, na altura do número 1400, para um encontro marcado à meia-noite. Genaro estava tenso e irritado, nervoso e preocupado que algo pudesse dar errado e eles saíssem da casa sem o dinheiro. Mané estava frio e tranquilo, havia feito todos os cálculos e projeções matemáticas, apesar de que, em sua terrinha natal, havia aprendido somente três operações, não sabia dividir… Tanaka trazia no rosto um sorriso de superioridade oriental, reforçado pela imobilidade vítrea, escura e fria do olho artificial. A chuva fina apertara bastante e os primeiros raios começavam a estourar no céu escuro de nuvens carregadas. Cumprimentaram-se rapidamente e repassaram os próximos passos. Construída em 1896, a residência foi projetada pelo escritório de Ramos de Azevedo a pedido de Luiz Anhaia. Por alguma razão Anhaia não ficou no casarão e em 1911 o imóvel foi vendido ao industrial e banqueiro de origem italiana, Alexandre Siciliano. O imóvel ficava localizado no número 1412 da Avenida Paulista. Tratava-se de uma enorme construção de quatro andares, no meio de uma grande área verde. Tinha vários cômodos muito amplos, sala de leitura, sala de jantar, salão de jogos e dependências externas para acomodação de empregados, além da garagem. O imóvel passou por várias mãos, até chegar a Baruch como pagamento de uma dívida do então proprietário.

A mansão era ladeada por outras duas amplas residências e a construção principal era cercada de alamedas arborizadas. Nos fundos, de frente para as garagens, havia uma pequena escada que dava acesso a uma porta de ferro, fechada por um único cadeado apodrecido, conforme Mané havia observado numa das vezes em que viera à casa do patrão para entregar documentos da empresa. A ronda noturna cobria apenas dois dos imensos quarteirões, dando uma volta completa a cada 18 minutos. Tanaka e Mané entrariam pelo muro lateral da casa à esquerda, desocupada há alguns meses, enquanto Genaro seguiria o guarda noturno por toda a ronda, para se certificar que ele completaria o percurso no tempo estimado. Nesse período, os dois teriam o tempo necessário para serrar o cadeado com o mínimo de ruído possível, entrar pela porta de serviço, atravessar toda mansão no escuro e abrir a porta principal para o Genaro, que deveria ultrapassar o vigia a tempo de chegar e desligar, pelo lado de fora, o sistema de alarme que acendia uma lâmpada vermelha quando a porta era aberta pelo lado de dentro. 

Tudo havia funcionado com a precisão de um relógio suíço, os três amigos já estavam no interior da mansão, o velho Baruch polia silenciosamente suas moedas em seu quarto e a ronda noturna havia passado pela calçada sem perceber nada de anormal. A chuva torrencial e os raios prateados afastavam qualquer possibilidade de intromissão. Genaro estava quase calmo, mas havia somente um pequeno detalhe que poderia pôr abaixo tudo o que tinha sido tão bem planejado. A mansão havia sido invadida por outros três assaltantes naquele exato momento!

CaMaSa

Abençoado

Abençoado

 

Você é um ser de luz

intensa e resplandecente

ilumina quando escurece

em você mora o divino

num lugar bem guardado

é um ser pleno de amor

de compaixão e bondade

simplicidade e sinceridade

é um ser honesto e justo

quer só o que te pertence

quando luta e perde vence

é consciente da verdade

pleno e cheio de felicidade

o bem maior o real objetivo 

deste hiato de eternidade

 

É um ser abençoado, apenas não sabe…

 

Pois se soubesse quão abençoado é,

nada mais pediria,

só compartilharia e agradeceria.

CaMaSa

Sei

Sei

 

Já nem sei como começo

me contento com o que mereço 

agora eu já nem mais peço

simplesmente sinto e agradeço 

 

Já nem sei como prossigo 

sem teu abraço feito um abrigo 

onde descanso sou e sigo

ao encontro do melhor amigo 

 

Já nem sei como termino 

me encanto com o meu destino

certo e exato fino e divino

escrito em mim desde menino

 

Já nem sei mas agora sei

CaMaSa

Fogo na Vila

Eu não devia contar esta estória porque tem muita gente conhecida, facilmente identificável, que deve se reconhecer ou ser reconhecida logo de cara, e alguém pode se ofender. Em todo caso, vou trocar os nomes e descrever detalhes falsos da aparência, na esperança de que ninguém as reconheça. Mesmo porque, tenho certeza que quem lê o que eu escrevo não está interessado nos detalhes pessoais dos personagens, ainda que sejam atos impublicáveis, desses que não devem ser mencionados nem mesmo no confessionário do padre Valentino, à meia-noite de uma Sexta-feira Santa. Confio na discrição de todos, certo de que não haverá comentários maliciosos e discussões acaloradas tentando apontar esse ou aquele possível participante do episódio em questão.

Certa noite, o Zecão, vamos chamá-lo ficticiamente Zecão, voltava do baile de salão do Bola Redonda, na Brigadeiro, a pé, como sempre fazia. Estava acompanhado do Rapa, do Minhoto e do Boca de Trigo, companheiros inseparáveis de todas as horas. Desciam a ladeira contando vantagens, falando das moças cheirosas, de cabelos brilhantes e pernas longas, que rodopiavam por todo salão. No fim da Brigadeiro viravam à direita para o viaduto Dona Paulina, passavam pela Praça Dr João Mendes, desciam a Tabatinguera, pegavam a Avenida do Estado, cruzavam o rio em direção à Radial Leste e percorriam todo viaduto até dobrar à direita na Rua dos Trilhos, para finalmente dobrar novamente à direita na Visconde de Laguna. Era uma caminhada e tanto, regada a conversa fiada e rum ou vinho baratos.

Evidentemente chegavam destroçados, com os pés ardendo e as vistas embaçadas de sono e cansaço. Na esquina da Vila Rodolfo Crespi havia o açougue do Seo Petrônio, famoso pelas facas afiadas que cortavam com facilidade as carnes mais duras e mantinham afastados os marmanjos de suas filhas, e suas carnes macias… Ele morava com a família no sobrado sobre o armazém, mas como era madrugada de sábado para domingo, o açougueiro, a mulher Clotilde e as filhas, Marabel e Maribel, estavam na Praia Grande, aproveitando o fim de semana. O estabelecimento tinha uma porta de enrolar, de ferro, com um sistema de fechamento de barras laterais, com uma fechadura central de chave comum, a 1,10 m de altura, além do cadeado de chão. 

Quando os quatro amigos passavam pela porta do açougue, perceberam uma fumaça branca, bem rala, saindo pelo respiro da parede. Acharam o fato estranho e se puseram a procurar uma forma de descobrir o que estava acontecendo. Zecão olhou pelo pequeno buraco de fechadura do portão de ferro e, entre espantado e assustado, viu a chama brilhante do fogo! Fogo? Fooogooo! Em 2 minutos e 18 segundos toda vila estava envolvida no processo de transportar água para a frente do açougue.

A vila era uma rua estreita com casas pequenas dos dois lados, em toda sua maioria ocupada pelos operários, e seus descendentes, que trabalhavam no cotonifício Crespi. Ela terminava no muro do estádio do Juventus, da Rua Javari, nas costas do gol leste, famoso por ser onde o rei Pelé fez o gol mais bonito de sua carreira. Zecão e sua família moravam na última casa à direita, e dela, no terraço construído especialmente para isso, tinha-se uma visão total e privilegiada do campo. Em dias de jogos, amigos e parentes reuniam-se no terraço para tomar cerveja, comer amendoim torrado e xingar o goleiro adversário. No dia em que Pelé fez esse gol, o estádio estava lotado, todos querendo ver de perto esse menino de 19 anos que vinha encantando no campeonato. Mas não era um bom dia para o futuro rei, até então, que estava muito apático e apagado. A torcida do Juventus gritava e vaiava a cada vez que ele tocava na bola e, num chute em direção ao gol, a bola subiu muito acima do normal e foi cair no terraço. Na festa que se seguiu, Zecão gritou a pleno pulmões: — Seu bola muuuurcha!

Por obra do destino o grito saiu num momento de silêncio no campo, o suficiente para que Pelé ouvisse. Ele focalizou o torcedor no terraço da casa e fez um sinal com a mão direita, como quem diz: — Me aguarde… 

Quem viu não esquece! O moleque ficou endiabrado, destruiu o Juventus e pra coroar a exibição magnífica, a certa altura do jogo recebeu um passe da direita, deu o primeiro chapéu entrando na área, deu o segundo e deu o terceiro. Ainda teve tempo de chapelar o goleiro, que saiu do gol desesperado catando vento, arrematando de cabeça para o gol. O público, a favor e contra, gritou seu nome por mais de 10 minutos!

Assim era a vila naquele tempo, para o bem ou para o mal, uniam-se para buscar soluções ou preparar comemorações. Mas no momento a prioridade era o incêndio no açougue e estavam lá homens, mulheres e crianças, nonnos e nonnas, cada um contribuindo com seu balde, sua bacia ou seu copo d’água em punho na luta contra o fogo. Muitos até já sentiam o cheiro de churrasco, da carne queimada, do sebo crepitando e estalando nas chamas. Os mais fortes tentavam abrir a porta de ferro com as próprias mãos, usavam cabos de vassoura, corriam na busca de ferramentas. Os bombeiros haviam sido chamados e surgiriam a qualquer momento.

Na fila indiana que se formou para o transporte da água, estava a neta da dona Santa, a levada Ziquinha, com a carinha sardenta e as maria-chiquinhas presas firmemente nas laterais da cabeça. Para uma criança de 8 anos toda aquela movimentação era uma farra e encontrar uma forma de tornar tudo mais divertido fazia parte. A menina encontrou o passatempo de molhar os dedinhos na água e espirrar na nuca das pessoas. Quando alguém se virava pra entender o que estava acontecendo, ela gritava: – Foi fulano que cuspiu! E caia na gargalhada.

Mas uma gota dessa brincadeira resvalou no rosto de Elvira, irmã da Carmela, que tomando as dores da irmã ralhou com Ziquinha. A menina correu para os braços da avó, que assustada respondeu a Carmela que cuidasse do próprio nariz, grande e espinhudo como uma jaca! A ofensa não passou em branco pelo filho de Elvira que devolveu com um “a Ziquinha é mal educada porque não se sabe ao certo quem é o pai”… Por muito menos que isso a vila já tinha se transformado em campo de guerra! O pai, no papel, da criança, soltou o balde no pé do ofensor e partiu pra cima, recitando todos os palavrões que normalmente se gritava no campo, de uma só vez. Um vizinho protetor do rapaz, pulou sobre as costas do pai de Ziquinha, ambos rolando no chão e levando consigo dona Santa e a Carmela. Esta perdeu a dentadura, que saiu voando e prendeu-se na orelha do Minhoto que já dava e tomava tapa de tudo que é lado.  Nessa altura do campeonato todo balde, toda lata, todo copo e toda água voavam de um lado pro outro sobre a cabeça de todos. Era uma profusão de camisolas e pijamas ensopados que se alguém jogasse confetes e tocasse uma música de Carnaval, pareceria que estavam todos dançando em homenagem ao Rei Momo! 

No meio de toda aquela enorme balbúrdia, surge Seo Olegário, o morador mais antigo da vila, com seu penico lotado. Era sua contribuição para o incêndio, já que a água custava caro e aos 98 anos, meio cego, meio surdo e meio pazzo, era melhor poupar. Quando ele chegou no meio da confusão, com o penico branco tremendo em sua mão direita, o Rapa, especialista em capoeira, lançava os pés para o alto num elíptico rabo de arraia, que golpeou o vaso particular do Olegário debaixo para cima. O penico subiu girando, girando, alto, bem alto, espalhando xixi pra tudo que é lado e para todos, numa chuva dourada coletiva. Foi como jogar gasolina na fogueira! A turba formou um bolo enorme de gente molhada e fedida, gritando e estapeando uns aos outros, tão envolvidos que nem perceberam a garoa paulista chegando de mansinho e aos poucos transformando-se em chuva grossa.

O açougue incendiado estava completamente esquecido, entregue aos bombeiros que acabavam de chegar e que ninguém havia percebido. Usaram ferramentas apropriadas para abrir a porta e encontraram um ambiente tranquilo e sossegado. Num canto, à direita, havia uma espécie de incensório improvisado com uma lata aquecida por carvão, queimando folhas cítricas e aromáticas para espantar mosquitos e muriçocas gulosas de carne, com uma fumacinha leve e cheirosa. No centro do balcão, cuidadosamente apoiada e bem protegida, luzia uma lamparina a óleo, diante de uma pequena estátua de Santa Boa Fartura das Carnes, protetora dos bois e das vacas. O lume da lamparina estava posicionado de tal forma que quem olhasse da rua pelo buraco da fechadura da porta, só veria uma chama brilhante, perigosa e maliciosamente ardendo.

Não era um incêndio afinal, mas proporcionou um evento inesquecível para todos os moradores da vila, que até hoje trazem em si lembranças na memória… ou no corpo!

CaMaSa