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O Broche

Meu pai era um excelente marceneiro, muito requisitado. Trabalhava com instalações comerciais e residenciais, tendo uma clientela muito bem posicionada. Entre seus clientes havia muitos estrangeiros que aqui tinham chegado e constituído verdadeiras fortunas. Portugueses, italianos, espanhóis, árabes, judeus, alemães… Atendia a todos com grande respeito e qualidade, sempre deixando uma boa lembrança e sendo tratado com muito carinho. Muitas vezes ele era convidado para passar um fim de semana, junto com a família, numa casa de praia ou campo, e lá íamos nós, minha mãe, minhas duas irmãs, conhecer um pouco mais deste imensamente belo e natural país, do qual eu conhecia apenas alguns quarteirões do bairro da Mooca. É claro que meu pai não ia somente pra se divertir, aproveitava para fazer um ou outro pequeno serviço ou reparo e, desta forma uma mão lavava a outra.

Numa dessas vezes, fomos convidados por um senhor alemão, chamado Fritz, que possuía uma bela propriedade às margens da represa Billings. Não me lembro como chegávamos nos locais nessas pequenas viagens, que para mim pareciam ser infinitas. Mas lá estava eu, cercado de mato, água limpa e luz solar, espantado como um passarinho recém saído da gaiola. Havia uma bela e ampla casa, muito grande mesmo para um garoto de 8 anos que morava num quarto, sala e cozinha. A propriedade era muito bem cuidada, parecia uma pintura de folhas e frutos, intensamente brilhante e absurdamente colorida. Havia uma sinfonia de insetos formando o backing vocal perfeito para o canto dos pássaros que pipocavam aqui e acolá num ritmo constante e suave. Era quase um sonho… que viraria um pesadelo.

O senhor Fritz era um homem de estatura mediana, por volta de 1,75m, e magro, os cabelos eram castanhos mas o prateado já havia avançado fartamente. Destacavam-se mesmo os olhos, de um azul-cinza de expressão intrigante, que contrastavam muito com a aparência bonachona do restante do rosto. Tinha uma forma de se movimentar calculada, herança de um possível passado militar. Via-se que era acostumado ao comando, mas este já havia lhe escapado das mãos há muito tempo. Sobrou-lhe a esposa, Helga, de rosto encovado e bochechas salientes, a quem era possível tão somente os comandos básicos de uma relação a dois, dentro dos limites matrimoniais. Dona Helga, muito mais que ele, ficava feliz com visitas, raras ou quase inexistentes, nesta terra estranha e selvagem, tão longe do seu torrão bávaro. Nunca havia aceitado o modo como as coisas se deram, sair às pressas, no meio da noite, como criminosos. De lá, somente as notícias dos jornais, escritas para agradar quem pagasse melhor. Mas, pelo pouco que viu do trajeto de sua casa até o aeroporto e o que pôde ver pela janela do avião, a guerra havia destruído sua Alemanha querida.

Os dois homens trataram de resolver seus assuntos, enquanto minha mãe e minhas irmãs acompanharam dona Helga até a cozinha, que preparava uma receita de Pato com Laranja. Eu, que nunca tinha visto um pato pessoalmente, muito menos comido um, comecei a explorar o terreno, caçando coisas mais interessantes para uma criança fazer. Logo encontrei meu pai junto ao senhor Fritz, diante de um enorme anexo do lado direito da casa onde, imaginava eu, eram guardados carros, máquinas e equipamentos. Eles entram por uma porta larga e eu fui atrás. Havia bancadas de madeira sim, como numa oficina, mas o local mais parecia um biblioteca ou museu. Era extremamente limpo e organizado, com inúmeras estantes nas paredes, com muitos livros e caixas de diversos tamanhos, acabamentos e cores. Centenas de quadros de vidro com desenhos coloridos dos mais variados insetos, borboletas e mariposas. Havia gaveteiros enormes, onde diversos besouros mortos e espetados em alfinetes, flutuavam com as perninhas balançando no ar, numa espécie de dança imóvel e sem fim. A iluminação era propositalmente fraca, para proteger os tesouros que ali estavam da força destruidora da luz do sol. 

Aparentemente havia um ou outro reparo a ser feito numa estante, numa mesa ou num gaveteiro, e era por isso que os dois homens ali estavam e aquele não era o local nem a hora certa para um menino curioso estar. Meu pai me sugeriu com um olhar, duas palavras e um leve empurrão, que eu saísse para brincar, mas tomasse cuidado com a água, sendo proibido de me aproximar a menos de 5 metros da represa. Contrariado, de orgulho ferido, zanzei a esmo até reparar que havia alguns pequenos montes de terra, de diversos tamanhos, como se fossem baldes malfeitos emborcados ao chão. Imaginei que eram duro e rígidos e fui logo metendo o pé sobre um dos menores, para me elevar acima do chão. Para minha surpresa, a terra cedeu e meu pé afundou sobre um formigueiro repleto de formigas minúsculas e, agora, ensandecidas. Senti a primeira picada quando já estava com a canela repleta delas e saí correndo em direção a água berrando como um louco. Todos vieram em meu socorro que, naquele momento, já tinha a água no meu umbigo e não sabia se chorava de dor ou de medo de me afogar. Meu pai me agarrou pelo braço, me colocando em terra firme. Passado o susto, todos se puseram a rir, menos eu, que estava emburrado e envergonhado com a situação.

Logo após o almoço, enquanto as mulheres cuidavam da louça e os homens saboreavam um café, voltei ao local do incidente, disposto a verificar a extensão do estrago no formigueiro. Para minha surpresa ele estava vazio! Suas moradoras pelo jeito tinham desistido de continuar por lá, deixando as entranhas da construção expostas ao vento. Não me dei por vencido e, com todo cuidado e temor que a situação exigia, peguei uma vara comprida como um cabo de vassoura e me pus a cutucar e cavucar o formigueiro em busca de formigas remanescentes. Nada. Vazio. De repente, uma estocada bateu em algo mais duro, com um som de toque diferente. Mexi e arrastei um pouco a terra de um lado para o outro e vi brotar um objeto amarelado, pontudo. Cheguei bem perto para olhar e, esquecendo por um instante a dor das picadas, cavei rapidamente com as mãos até que tirei de dentro da terra um objeto semelhante a um broche, num formato estranho para mim, como se fosse uma ave de asas abertas, carregando um círculo pelas patas. Levei o meu tesouro até a água e, assim que comecei a lavar e retirar o barro firmemente grudado, seu brilho intenso, dourado, surgiu instantaneamente. Enxuguei e poli na minha camiseta branca e quando me voltei para correr na direção da casa e contar a novidade para todos, dei de cara com o senhor Fritz que, com seus olhos azuis-cinza, agora mortos e impessoais, me olhava mortalmente. Fiquei petrificado com aquele olhar carregado de ódio, de quem representava 6 milhões de mortes brutais e sem sentido. Senti um frio que me gelou os ossos, me atravessou a alma e me manteve sob controle. Lentamente dei três passos em sua direção e entreguei o broche em suas mãos. Ele guardou o objeto no bolso de sua calça, virou-se e me deixou lá, boquiaberto e mudo.

Ainda hoje, mais de 5 décadas depois, sinto ânsia ao lembrar daqueles olhos, e me culpo, por não reagir como devia, por ter aceitado passivamente suas ordens, por compactuar, seja lá de que forma, com todos seus possíveis crimes, representados por um broche.

CaMaSa

Fiapos

Fiapos

 

são coisas pequenas

incomodam embaraçam

enfiados como uma tanga

fio dental entre os dentes

são fiapos de manga

 

são fibras terrenas

ferem coçam embaçam

voam sopradas pelo vento

tiram lágrimas dos olhos

são fiapos de pano

 

são crianças amenas

riem alegram encantam

brotam de nós com força

viverão o futuro distante

são fiapos de gente

 

são razões plenas

ensinam soltam libertam

quando estamos no escuro

iluminam todo o universo

são fiapos de luz

CaMaSa

Cortesia

Cortesia

 

Eu já fui o mais jovem um dia

à minha volta só mais velhos havia

mas enquanto o tempo transcorria

mais jovens ao meu redor via

 

Eu já fui repleto de rebeldia

toda regra todo símbolo desfazia

mas não encontrava nisso alegria

só crescia a minha toxemia

 

Eu já fui um sonho de alforria

crendo ele ser só pra quem morria

mas encontrar quem me revelaria

era bem maior do que eu cria

 

Eu já fui buscar o que não via

sem saber o que realmente queria

mas a vida me cedeu uma cortesia

conhecer a paz e sua energia

CaMaSa

2020

Eram 10 horas da noite de uma quarta-feira qualquer. Eu voltava pra casa e resolvi parar numa velha padaria conhecida do bairro pra comer alguma coisa. Não se passaram nem 5 minutos e entrou pela porta, vindo em minha direção, meu amigo Tampa, que eu não via há mais de 20 anos. Seu nome era Carlos Coutinho, mas ganhou o apelido desde muito novo, porque abria as garrafas de refrigerantes, Guaraná, Crush, Grapette, com os dentes! Sempre foi muito engraçado e tinha um jeito especial de contar estórias que prendiam a atenção imediatamente. Eu fui logo cumprimentando:

– Ô pai, preciso conversar com você…

– É problema de sexo, filho? Ele me respondeu, recordando sua história particular, contada há mais de 40 anos.

Caímos na gargalhada e ele engasgou, tossindo forte e fazendo voar pelos ares o pivô dos dois dentes da frente, que saíram quicando pelo chão como uma bola de pingue-pongue, com o Tampa correndo atrás rindo desesperado. Quando conseguimos voltar a respirar normalmente, falamos um pouco sobre a vida, o que cada um vinha fazendo, até que ele apontou para sua mesa, onde uma mulher o esperava. Nos despedimos com as promessas de sempre, manter contato e coisa e tal.

Quando me voltei para o meu lanche no balcão, notei uma jovem me encarando, que logo em seguida perguntou:

– Você conhece o Tampa?

– Sim, respondi, há mais de 40 anos e…

– Ele é um grande sacana. É meu pai.

Num segundo toda minha dispersão e alegria voltou-se para o olhos daquela bela moça, tristes e amargurados, quase revoltados, em busca de respostas que não lhe dera a vida. Refleti sobre nossa criação, a maneira como fomos despreparados para a vida, nossos pais totalmente atarefados, buscando o sustento da família com suor, muito suor… A sexualidade era tabu e sua educação era conseguida nas ruas, nos relatos dos garotos mais velhos e nos livrinhos de catecismo. Crescíamos poderosos, cheios de vontade e testosterona, inconsequentes e sem nenhuma responsabilidade sobre os sentimentos alheios, gravidez interrompida ou vidas que vingassem. Avaliei o que teria sido minha vida se eu tivesse tirado a sorte grande, ganhasse um bebê indesejado, parido pela dona qualquer de um desejo meu. Senti alívio, senti compaixão. Tentei explicar para aquela moça quanta beleza existe nesta vida, que é um presente, que seja qual for nosso histórico, a qualquer momento podemos tomar a decisão de tomar as rédeas em nossa mãos e conduzir nosso destino em direção à realização e à felicidade. Esta é simples, inerente, está dentro de nós e cabe a cada um torná-la verdadeira.

Ela me olhou como quem diz, você está falando isso porque quer defender seu amigo, virou-se e saiu para a noite quente e mal iluminada. Seguirá seu próprio caminho, único entre mais de 7 bilhões de seres humanos na face da Terra, e nada, a não ser ela mesma, poderá compreender o significado desta passagem, a gloriosa experiência de ser uma parte, infinitamente pequena deste todo, infinitamente grande, inteligente e bom. Que é através dos olhos dela que ele se vê, cria e se admira, fazendo criador e criatura um só, indivisível.

Paguei e saí do local, acenando à distância para meu amigo, que retribuiu o aceno com um sorriso largo, destacado pelo vão dos dois dentes da frente que ele ainda não havia recolocado no lugar. Provavelmente sem saber que era dele mais uma filha deste mundo, porque nunca quis saber ou não teve a chance. Eram os anos 60/70, cheios de pouca informação, sexo, drogas e roquenrol.

Hoje seria diferente. Os pais conversam com seus filhos sobre todos os assuntos, preparando-os para viverem em sociedade com respeito e amor ao próximo. As escolas, desde o ensino fundamental, possuem em seus currículos disciplinas que tratam de aspectos fundamentais para a compreensão da nossa sexualidade e desenvolvimento com habilidade e capacidade pedagógica, preparando os futuros adolescentes para os momentos de transformação da puberdade. O resultado é que nossos jovens chegam às universidades conscientes e bem informados, capacitados para tomar as decisões que moldaram suas carreiras profissionais e as escolhas afetivas para a formação de núcleos familiares harmoniosos.

Benditos anos 2020!

CaMaSa

Experiência

Experiência

 

Tenho consciência 

ninguém pode vestir 

os meus sapatos 

minhas roupas 

minha pele

nela estão as marcas

as profundas rugas

o que aprendi

o que vi e vivi

força que impele

mesmo se pudesse 

mostrar o caminho 

ensinar o truque 

dizer o nome 

que revele

a ninguém mais serve

cada um segue o curso 

até o fim absoluto

ou a vida eterna

que a morte sele

CaMaSa

Conhecer

Conhecer

 

O ser tomou do pó e soprou vida,

plantando o homem sobre a terra,

constantemente, incessantemente, 

cavando com as mãos o sustento,

vencer a fome e manter-se nela.

 

A gente foi além, buscando a paz

que um dia foi, é, e sempre será,

obstinadamente, alucinadamente,

em todo encanto, em cada vão,

nas pregas da ilusão, noite e dia.

 

O conhecimento de si próprio

é a peça que faltava e dele faria,

apaixonadamente, eternamente, 

grato e satisfeito pela solução,

a real felicidade, sem uma razão.

CaMaSa

A Praia

Ele era um anjo, desses comuns. Nem angelicalmente belo, nem humanamente feio, era assim mediano, desses que nos passam despercebido, em presença e em missão. Vivia sua eternidade tranquilamente, aguardando a chance e oportunidade de realizar algo simples, bem feito e bom. Não que ele invejasse os demais anjos, pois estas não são características apropriadas, mas muitos haviam sido chamados à grandeza das obras divinas, operando milagres e liderando exércitos no combate à guerra, ao mal e ruim. Tamanha era a função e capacidade de uns, que quase haviam sido tocados pela humanidade, tendo alguns homens e mulheres deles tido um vislumbre, um sonho, uma visão ou ilusão. Todavia nunca os haviam representados fiéis à sua aparência, desenhando-os das mais inexatas formas e cores, sem chegar minimamente perto enfim.

Um dia, no entanto, da sua inatividade foi interrompido, chamado às pressas por um superanjo do mais alto escalão. A infraestrutura celestial é extremamente complexa, com inúmeras divisões e subdivisões, departamentos e subdepartamentos, hierarquias e sub-hierarquias, entrelaçadas e intercomunicadas por vias expressas de velocidade superior à da luz. Responde-se a um chamado num piscar de olhos, quase antes mesmo de ser chamado! Lá estava ele então, sentado numa cadeira alta de espaldar baixo, brilhante de lixada, diante de uma mesa enorme em forma e cor de concha do mar. Ele olhava fixamente para o anjo do lado de lá da mesa, que parecia ignorar sua presença, atarefado que estava por milhões de compromissos representados por pilhas e pilhas de folhas coloridas, dispostas de maneira milimetricamente organizadas sobre o tampo. Assim se passaram algumas centenas de anos, na forma de alguns segundos, até que o superior parou de fazer o que estava fazendo e olhou fixamente para ele, naquilo que pareceu ser apenas alguns segundos, mas que na verdade eram milhares de anos.

– Deixe-me ver… aqui está! 

Ele retirou uma folha azul claro bem do meio de uma das pilhas e passou para o outro anjo. Bem no meio da folha, em letras decoradas maiúsculas e douradas estava escrito: P R A I A.

O que significava isso, ele pensou… Será que eu vou ser um salva-vidas, desses que socorrem banhistas distraídos? Provavelmente vou faxinar, limpando alguma praia repleta de detritos e poluição. Não era nada imaginável. Num piscar de olhos ele se viu num lugar tenebroso, escuro e gelado, com estrondos assustadoramente altos ecoando de um lado de um mar absurdamente bravo e poderoso e, do outro lado, paredões gigantescos de pedra negra, cuspindo fogo e lava derretida sobre as águas, e fumaça, cheia de fuligem e enxofre a milhares de quilômetros de altura. Se isso era uma praia, melhor seria não conhecer o inferno!

Anjos não foram feitos para questionar ordens, mas para executar. Se essa era sua missão, ele encontraria uma forma de fazer daquele lugar o mais agradável possível, nem que levasse meia eternidade para concluir. Pelo que pôde perceber naquele momento, estava num planetoide em formação, o terceiro em distância de uma pequena estrela chamada Sol. Era a Terra, bilhões de anos antes do primeiro primata erguer-se sobre os membros inferiores, cerrar os olhos para enxergar melhor o ponto mais distante no horizonte e proclamar: – Um dia tudo isto será meu! 

Avaliou os recursos disponíveis, arregaçou as mangas e pôs-se a escolher cuidadosamente os materiais para a composição de sua tarefa. As rochas e lavas vulcânicas formavam escarpas profundas e pontiagudas, terríveis como bocas espectrais cheia de dentes caninos dilacerantes. O mar lançava contra as encostas tsunamis diários que explodiam violentamente contra o granito de dureza incalculável. Dessa batalha épica e insana, ele recolhia fragmentos mínimos, grãos de areia de formas, cores e transparências diversas, empilhando um a um, num encaixe suficientemente flexível para manterem-se unidos em constante movimentação. Passavam-se milhares de anos, até que um maremoto de proporções inéditas ou uma explosão vulcânica dos mais profundos magmas terrenos, descontruíssem ou cobrissem seu trabalho, que era reiniciado com toda paciência com uma nova reconstrução, em bases mais sólidas e definidas. Aos poucos, dentro da lógica de tempo dos anjos que mistura séculos e segundos, o mar ia se acalmando, enquanto as montanhas iam se aplainando numa inclinação cada vez mais suave, como se ambos passassem a se respeitar inteligentemente.

Assim que, cada grão agora era encaixado no cenário de forma cada vez mais rápida e resplandecente, uns mais ao fundo, em contato permanente com as águas salgadas, outros mais salientes, leves, claros e finos o suficiente para serem levados de um lado para outro pelos ventos, numa dança constante de sutis movimentos. O mar agora de águas claras, em tons de azul, verde e lilás, lançava pela evaporação águas filtradas e doces pelas nuvens como chuva, regando a terra de esperança e plantas verdes. 

Nesse cenário tão bonito, exausto e cansado, deitou-se enfim o nosso anjo para um cochilo, que pareceu durar milhões de anos mas foram alguns segundos. Ao abrir seus olhos novamente estava diante do superanjo que os parabéns lhe dava. Compreendeu na mesma hora que seu trabalho seria para os seres que pusessem os pés sobre ele. Que ao olhar e sentir na pele cada grão daquela praia, sentiriam agradecimento e prometeriam conservar para sempre aquele paraíso, chamado Terra, com todo amor e paixão.

CaMaSa

Feliz

Feliz

 

Chega um momento

finalmente a gente entende

aquilo que o Mestre diz

 

Nos tornamos simples

atentos dignos e humildes

tão somente um aprendiz

 

No universal movimento

de átomos planetas e estrelas

uma imensa força motriz 

 

Impulsiona noite e dia

incessantemente dentro e fora

o vai e vem do ar pelo nariz

 

Nos obrigando por favor

a viver além das aparências

para plenamente ser feliz

CaMaSa

Ainda

Ainda

 

Ainda que eu soubesse 

os segredos desta vida

antes do nascimento e

depois da morte ainda

 

Ainda assim eu só seria

um único grão de areia 

esculpido pelo mar dia

após dia e noite ainda

 

Ainda que eu perdesse

a razão me entendesse

superior a tudo e todos

seu perdão teria ainda

 

Ainda assim eu viveria

uma e outra vez e mais

cada momento precioso

em você eu seria ainda

CaMaSa

Máscaras

Máscaras

 

Ele era boxeador, treinava golpes

no ringue da vida, da concorrência,

mas quando em casa chegava

não mais lutava, em si repousava.

 

Ela era professora, lecionava aulas

cultivando nos alunos a inteligência,

mas quando para casa voltava

não mais ensinava, de si aprendia.

 

Ele era juiz, condenava bandidos

com base na lei e sua consciência,

mas quando para casa retornava

não mais julgava, por si absolvia.

 

Seja qual for a máscara social

usada para nossa sobrevivência,

há um lugar, um lar, dentro de nós,

sem dúvidas, só paz, amor e poesia.

CaMaSa

Amazônio

São coisas da nossa infância. As primeiras aulas de geografia com o mapa do Brasil destacado no mapa-mundi. Para mim parecia uma espécie de animal enorme e estranho, reforçado pela boca feita do corte em V do Acre. Na época tínhamos estados e territórios, dividindo o país em regiões compreensíveis e próximas, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, já estudadas nas aulas de História, e outras distantes e exóticas, todo norte e nordeste, e o sul, mais frio e produtivo.

Escrevo ficção, baseada nas impressões de um aluno de primeiro grau, antigo curso primário, e não em fatos e dados comprovadamente científicos. Portanto, me acompanhe nesta narrativa por sua conta e risco. 

Naquele tempo eu estudava num colégio estadual, o Antônio Firmino de Proença, e tínhamos uma estrutura completa com aulas de português, matemática, história, geografia, química, biologia, francês, inglês, filosofia, moral e cívica, artes, música e educação física. Era feito um exame admissional para estudar ali, o que tornava o espaço muito democrático, frequentado por todos os extratos sociais e culturais, com crianças e adolescentes de várias descendências. Só os mais inteligentes ou muito esforçados mantinham-se no colégio. Aqueles que não conseguiam acompanhar as disciplinas, e tinham recursos, transferiam-se para os colégios particulares, mais fracos ou que ofereciam alternativas para que os alunos pudessem avançar de um ano para outro.

Me pergunto o que teria acontecido com nosso país de lá pra cá? Seriam os pós-revolução militares, os centro-esquerda de transição ou os esquerdas sem noção os causadores da derrocada? Não éramos o país do futuro? Não tenho respostas. Sinceramente não tenho base para discutir política, deixo para os milhões de especialistas surgidos nas redes sociais nos últimos anos, capazes de interpretar, julgar e condenar os agentes sócio-políticos do Brasil e do mundo. Eu realmente não consigo julgar ninguém sem calçar seus sapatos, sem ter a totalidade dos dados e fatos que o levaram a tomar suas decisões. Deixo para a justiça precificada dos homens e a consciência divina de cada um, o castigo que lhe compete.

Nosso professor de geografia explicava que o rio Amazonas recebeu esse nome por conta da lenda grega das Amazonas, mulheres guerreiras seminuas, talvez tão guerreiras, e muito menos nuas que as índias nativas, nossas icamiabas (aquelas que não têm seio), que desfilavam pelas florestas à época do descobrimento. Terra de sonhos! Muitos se aventuraram por suas matas virginais, estendidas do oceano Atlântico aos pés das intransponíveis cordilheiras dos Andes, em busca de ouro e riquezas inconcebíveis, brotando do solo, ao alcance das mãos. A maior parte encontrou malária, febre amarela e pestes diversas, dando em troca gripes e resfriados mortais para os nativos.

A sanha exploratória, nacional e internacional, só aumentou desde então, encontrando as mais justas e inconcebíveis justificativas para seus discursos e atos. Um país europeu tem o direito de legislar sobre seu território, ou deve permitir que organismos internacionais opinem sobre a utilização de seu território e recursos naturais? Queima de petróleo e carvão são justificáveis para locomover e aquecer? O custo ecológico deve ser questionado em contraponto à sobrevivência dos habitantes dos países gelados da região? A ocupação agrária consciente e sustentável da Amazônia, capaz de eliminar a fome e miséria no Brasil, interessa a alguém? Ela é nossa? A resposta a esta pergunta define sua visão de mundo.

Não existem países e fronteiras. Não existe nada que possamos apontar e dizer, isto é o Mundo. Existem seres humanos coabitando esta esfera orgânica, viva e auto regulável, que chamamos Terra. Como parte integrante deste fantástico ecossistema, temos um papel a cumprir: podemos ser uma excrescência doentia a provocar destruição total ou a ser expurgada, ou um benéfico organismo de realização e expansão universal. O futuro dirá.

CaMaSa

Iguais

Iguais 

 

Assumi ser feliz da forma mais egoísta

amando sem limites a energia em mim

e ao próximo até onde alcança a vista,

como fosse eu mesmo, simples assim.

 

Vivo a responsabilidade de ser feliz

cuidando só do que me diz respeito

sorvendo o bom da vida pelo nariz, 

enchendo de paz e alegria meu peito. 

 

Falo dessas coisas sem peso do medo 

de ofender alguém de qualquer crença 

pois não é para ninguém um segredo 

somos iguais e um só, sem diferença.

CaMaSa