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Eram 10 horas da noite de uma quarta-feira qualquer. Eu voltava pra casa e resolvi parar numa velha padaria conhecida do bairro pra comer alguma coisa. Não se passaram nem 5 minutos e entrou pela porta, vindo em minha direção, meu amigo Tampa, que eu não via há mais de 20 anos. Seu nome era Carlos Coutinho, mas ganhou o apelido desde muito novo, porque abria as garrafas de refrigerantes, Guaraná, Crush, Grapette, com os dentes! Sempre foi muito engraçado e tinha um jeito especial de contar estórias que prendiam a atenção imediatamente. Eu fui logo cumprimentando:

– Ô pai, preciso conversar com você…

– É problema de sexo, filho? Ele me respondeu, recordando sua história particular, contada há mais de 40 anos.

Caímos na gargalhada e ele engasgou, tossindo forte e fazendo voar pelos ares o pivô dos dois dentes da frente, que saíram quicando pelo chão como uma bola de pingue-pongue, com o Tampa correndo atrás rindo desesperado. Quando conseguimos voltar a respirar normalmente, falamos um pouco sobre a vida, o que cada um vinha fazendo, até que ele apontou para sua mesa, onde uma mulher o esperava. Nos despedimos com as promessas de sempre, manter contato e coisa e tal.

Quando me voltei para o meu lanche no balcão, notei uma jovem me encarando, que logo em seguida perguntou:

– Você conhece o Tampa?

– Sim, respondi, há mais de 40 anos e…

– Ele é um grande sacana. É meu pai.

Num segundo toda minha dispersão e alegria voltou-se para o olhos daquela bela moça, tristes e amargurados, quase revoltados, em busca de respostas que não lhe dera a vida. Refleti sobre nossa criação, a maneira como fomos despreparados para a vida, nossos pais totalmente atarefados, buscando o sustento da família com suor, muito suor… A sexualidade era tabu e sua educação era conseguida nas ruas, nos relatos dos garotos mais velhos e nos livrinhos de catecismo. Crescíamos poderosos, cheios de vontade e testosterona, inconsequentes e sem nenhuma responsabilidade sobre os sentimentos alheios, gravidez interrompida ou vidas que vingassem. Avaliei o que teria sido minha vida se eu tivesse tirado a sorte grande, ganhasse um bebê indesejado, parido pela dona qualquer de um desejo meu. Senti alívio, senti compaixão. Tentei explicar para aquela moça quanta beleza existe nesta vida, que é um presente, que seja qual for nosso histórico, a qualquer momento podemos tomar a decisão de tomar as rédeas em nossa mãos e conduzir nosso destino em direção à realização e à felicidade. Esta é simples, inerente, está dentro de nós e cabe a cada um torná-la verdadeira.

Ela me olhou como quem diz, você está falando isso porque quer defender seu amigo, virou-se e saiu para a noite quente e mal iluminada. Seguirá seu próprio caminho, único entre mais de 7 bilhões de seres humanos na face da Terra, e nada, a não ser ela mesma, poderá compreender o significado desta passagem, a gloriosa experiência de ser uma parte, infinitamente pequena deste todo, infinitamente grande, inteligente e bom. Que é através dos olhos dela que ele se vê, cria e se admira, fazendo criador e criatura um só, indivisível.

Paguei e saí do local, acenando à distância para meu amigo, que retribuiu o aceno com um sorriso largo, destacado pelo vão dos dois dentes da frente que ele ainda não havia recolocado no lugar. Provavelmente sem saber que era dele mais uma filha deste mundo, porque nunca quis saber ou não teve a chance. Eram os anos 60/70, cheios de pouca informação, sexo, drogas e roquenrol.

Hoje seria diferente. Os pais conversam com seus filhos sobre todos os assuntos, preparando-os para viverem em sociedade com respeito e amor ao próximo. As escolas, desde o ensino fundamental, possuem em seus currículos disciplinas que tratam de aspectos fundamentais para a compreensão da nossa sexualidade e desenvolvimento com habilidade e capacidade pedagógica, preparando os futuros adolescentes para os momentos de transformação da puberdade. O resultado é que nossos jovens chegam às universidades conscientes e bem informados, capacitados para tomar as decisões que moldaram suas carreiras profissionais e as escolhas afetivas para a formação de núcleos familiares harmoniosos.

Benditos anos 2020!

CaMaSa