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Caminhos

Caminhos

 

Entre todos os caminhos 

escolhi o da Verdade

porque não há valor na mentira

nem fé no coração cheio de ira

 

Entre todos os caminhos

escolhi o da Justiça

porque não há igualdade na cobiça

nem conquista na preguiça

 

Entre todos os caminhos

escolhi o do Amor

porque não há perdão no ódio

nem garantia de um novo episódio

 

Entre todos os caminhos 

escolhi o da Paz

porque não há vitória na guerra

nem perdão a quem sangra a Terra

 

Entre todos os caminhos, escolhi Você.

CaMaSa

Insisto

Insisto

 

Insisto tive sorte

quando te conheci

superei vida e morte

não porque mereci

 

Superei o conceito 

que delas eu tinha

aceitando no peito

a lição donde vinha

 

Não chegaria sozinho

com gosto dou o crédito

me perderia no caminho

não pagaria meu débito

 

Erro maior eu cometeria

me ver separado do todo

apenas mais um eu seria

vivendo o grande engodo

CaMaSa

Flores da Sé

A temperatura estava amena, entre 22 e 24 graus centígrados, com poucas nuvens no céu. A Praça da Sé estava absolutamente limpa e cheirosa, com aroma de maçã, pêssegos, jabuticabas e tantas outras frutas que lotavam os galhos das árvores ali plantadas. Enchendo ainda mais o ar puro e fresco com aromas diversos, floresciam por todo canto álissos, madressilvas, rosas, cravos, lavandas, gardênias, jasmim-dos-açores, manacás-de-cheiro e jasmins-da-noite entre outras flores. O calçamento impecável de pedras portuguesas, brancas como leite e pretas como piche, sem um única falha, ideal para os passeios familiares e flertes juvenis, harmonizava-se com o projeto arquitetônico composto de jardins, passarelas e espelhos d’água enfeitados por monumentos. Eram tantos e tão bem cuidados que faziam da praça um museu a céu aberto. Tudo incrivelmente limpo e perfumado! Mas a que preço?

A Praça da Sé é um espaço público localizado no bairro da Sé, no distrito homônimo, no Centro do município de São Paulo, no Brasil. É considerado o centro geográfico da cidade. Nela, localiza-se o monumento marco zero do município. A partir dele, contam-se as distâncias de todas as rodovias que partem de São Paulo, bem como a numeração das vias públicas da cidade. Considerada quase um sinônimo para o Centro Velho, a praça é um dos espaços mais conhecidos da cidade e foi palco de muitos eventos importantes para a história do país. A praça abriga diversos monumentos e esculturas, entre eles o célebre Marco Zero no centro da praça e que indica o “coração” da cidade de São Paulo. À frente do Marco Zero, encontra-se o monumento a José de Anchieta, fundador de São Paulo e “Apóstolo do Brasil”, inaugurado em 1954 por ocasião do quarto centenário da cidade. Com a reforma de 2006, a praça recebeu diversas novas intervenções artísticas, de maioria abstrata; entre elas as esculturas “Condor” e “Diálogo”, entre outras. As esculturas foram espalhadas pela praça, e interagem com o espaço reformado. Apenas em 2009 foi instalada na praça um monumento em homenagem a São Paulo, apóstolo de Jesus e santo que dá nome da cidade.

Há um fluxo constante de turistas, de várias partes do país e do mundo, sempre fazendo questão de tirar uma foto ao lado do marco zero, de costas para a Catedral da Sé. Esta era em si um espetáculo à parte, com seu estilo neogótico. A catedral atual foi construída por iniciativa de Dom Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo. Os trabalhos começaram em 1913 no local da catedral colonial demolida. O arquiteto responsável foi o alemão Maximilian Emil Hehl, que projetou uma enorme igreja em estilo eclético, por possuir vários elementos de estilos distintos, como a cúpula e o arco ogival, mas que predomina claramente o neogótico, inspirada nas grandes catedrais medievais europeias. Todos os mosaicos, esculturas e mobiliário que compõem a igreja foram trazidos por navio da Itália. Entretanto, devido às guerras mundiais, houve grande dificuldade para se concluir a obra. Assim, a inauguração da nova catedral ocorreu somente em 1954, com as torres ainda inacabadas, mas a tempo para a celebração do quarto centenário de São Paulo, no dia 25 de janeiro. As torres foram inauguradas em 15 de novembro de 1969. As obras foram tocadas inicialmente por Alexandre Albuquerque, e, a partir de 1940, por Luís Inácio de Anhaia Melo.

Era impossível não admirar a beleza da construção e o cuidado com a manutenção da igreja. Tudo nela brilhava de limpeza e cheirava a assepsia. Mármores, bronzes, mosaicos e madeiras absolutamente bem conservados e agradáveis de se olhar. Era a cereja do bolo da praça e ambas irradiavam uma sensação de paz, tranquilidade e segurança por todo o entorno composto pelas ruas e avenidas que a cruzavam ou ladeavam: Rua Anita Garibaldi, Avenida Rangel Pestana, Rua Roberto Simonsen, Rua Venceslau Brás, Rua Irmã Simpliciana, Rua Santa Tereza, Rua Floriano Peixoto, Rua Boa Vista, Rua 15 de Novembro, Rua Direita, Benjamin Constant, Rua Senador Feijó, Praça Doutor João Mendes, Rua Conselheiro Furtado e Rua Tabatinguera. O mesmo sentimento espalhava-se pelos bairros adjacentes, por toda cidade, pelos municípios próximos, por todo o Estado de São Paulo e demais unidades da Federação, por todo o Brasil e demais países do planeta. Mas nem sempre foi assim…

Quando eu era pré-adolescente, por volta dos 12, 13 anos, costumava ir até o centro com meu amigo Gordinho. Tomávamos o ônibus quase na porta de casa, na Mooca, e descíamos no ponto final, na antiga Praça Clóvis, ao lado da Praça da Sé. Nosso objetivo era atravessar a praça, pegar a Rua Direita até a Praça Patriarca, atravessar o Viaduto do Chá, contornar o Teatro Municipal, seguir pela 24 de Maio até a Avenida Ipiranga e chegar no Cinema Marabá para assistir aos filmes de aventura e ação. Tinha também o Olido, o Metrópole, Comodoro, Marrocos, Metro, Regina e Ipiranga. Salas clássicas, cinemões de arquitetura e programação variadas, para todos os gostos. Passeávamos por toda região com bastante segurança, via-se meia dúzia de pedintes, de alguns já se sabia até os nomes. As pessoas que por ali circulavam estavam a trabalho ou passeio, para comprar ou vender, atender ou ser atendido. 

Era o início dos anos 1970 e as dificuldades da época pareciam ser contornáveis, passíveis de solução. Mas o que se viu dali para frente foi uma espiral de problemas, locais e mundiais, em todos os níveis. Crises e mais crises político-sócio-econômicas foram se acumulando, agravadas pela poluição e esgotamento de recursos naturais, gerando conflitos sem precedentes. Em alguma décadas as populações de países inteiros se viam obrigadas a iniciar ciclos migratórios sem rumo certo, na esperança de sobrevivência. A concentração de riquezas e o poderio econômico criaram um cenário composto por avanços tecnológicos e luxo em contraste a hordas de famintos e desprovidos das mínimas garantias. O Brasil não estava livre disso e, no início de 2020, me lembro de ter voltado ao centro da cidade após muito tempo. Era estarrecedor a quantidade de lixo, sujeira e pessoas vagando desnorteadas pelas ruas históricas. Havia ainda muita atividade produtiva, com lojas e comércios variados e escritórios, mas a quantidade de indigentes espalhados pelo chão era proporcional à de pessoas ativas economicamente. Então aconteceu…

O ano de 2020 foi um marco na história da humanidade graças ao Corona, o vírus. No início daquele ano ninguém poderia imaginar as reais consequências que a rápida transmissão do vírus – apelidado de “coronavírus de Wuhan” – traria para todo planeta. O termo “coronavírus” se refere, na verdade, a um grande grupo viral formado por diversos vírus já conhecidos e identificados. O nome da família foi dado devido à forma desses organismos, que analisados em microscópios, têm a aparência de uma coroa. Os coronavírus são um grupo de vírus de genoma de RNA simples de sentido positivo (serve diretamente para a síntese proteica), conhecidos desde meados dos anos 1960. Pertencem à subfamília taxonómica Orthocoronavirinae da família Coronaviridae, da ordem Nidovirales. A maioria das pessoas se infecta com os coronavírus comuns ao longo da vida. Eles são uma causa comum de infecções respiratórias brandas a moderadas de curta duração. Entre os coronavírus encontra-se também o vírus causador da forma de pneumonia atípica grave conhecida por SARS.

O coronavírus de Wuhan, no entanto, teve um desempenho letal devastador. A estimativa da população mundial era de cerca de 7.761 bilhões de pessoas. Aproximadamente ¼ da população mundial, pouco menos de dois bilhões de seres humanos perderam a vida, por relação direta ou indireta com a doença, em pouco mais de oito meses. Não houve critérios de seleção. Bastava ter cabeça, tronco e membros, mente e alma, bastava ser humano! Assim como chegou, desapareceu. Do nada! Milhares de teorias científicas e religiosas tentaram explicar fato tão apocalíptico, mas a verdade é que nenhuma se ajustou à força e violência, assim como à consciência e inteligência aplicadas à nova era imposta a partir de então. Todos os recursos passaram a ser disponibilizados para o bem comum, sem barreiras ou fronteiras, entre todos. A busca pela solução da doença deu início a um projeto de educação e saúde global, sem deixar de fora nem mesmo as pessoas vivendo nos lugares mais remotos e afastados, graças a toda tecnologia de comunicação disponível. Atingiu-se um nível de conhecimento globalizado, onde a vida humana passou a ser a prioridade. 

Hoje, passados quase 40 anos desse ano fatídico e inesquecível, os que sobreviveram à experiência mais traumática da história da humanidade, colhem o resultado do maior flagelo vivido pelo Homo Sapiens: o absoluto respeito pela natureza e ao próximo, como a si mesmo.

CaMaSa

Pai

Pai

 

Quando a hora mais escura impõe, rogai

e a fome lancina a barriga ronca, plantai

e o mal sorrateiro falso se aproxima, lutai

e a dor imensa explode em nós, chorai… 

 

Quando a luz do Sol a Terra ilumina, olhai

e a esperança brota com certeza, dançai

e os filhos crescem com respeito, cantai

e a vida traz todo o entendimento, amai…

 

Porque somos um, eu você a mãe e o pai.

CaMaSa

Quando

Quando

 

quando o Mestre vem para este mundo 

 

planta sementes nos corações sedentos 

e homens comuns os faz extraordinários

humildes de compreensão justiça e paz 

fala a todos toca o indivíduo na emoção 

não importa a origem status e condição 

todos podem dizer sim para essa união 

abre portas e janelas para a realidade 

tira da frente dos olhos o véu da ilusão 

permite a cada um viver toda a verdade 

mostra em cada um o bem e a maldade

e a livre escolha para a eterna felicidade 

como uma real e concreta possibilidade 

abençoa os homens e mulheres e todos 

com a sua presença enxuga as lágrimas

e esse milagre incrível se torna possível 

 

quando o Mestre vem para este mundo

CaMaSa

Arnica e Babosa

Era uma dupla tão improvável quanto Sancho Pança e Dom Quixote ou, mais precisamente, Laurel & Hardy, já que o business era cinema e um era gordo e o outro era magro. Tinham cruzado seus caminhos desde tempos imemoriais e criado uma simbiose perfeita desde sempre. Ganharam os apelidos devido ao uso permanentemente contínuo de extrato de arnica, nome popular da espécie vegetal de nome científico Arnica montana, uma planta originária das montanhas da Europa e da Sibéria, utilizada há muitos séculos na medicina alternativa para o tratamento da dor e inflamação de diversas condições, e babosa, ou aloe vera, que ajuda a cuidar da beleza e da saúde e é muito conhecida por seus benefícios como efeitos calmantes, cicatrizantes, anestésicos, antitérmicos e anti-inflamatórios, além de ser ótima para hidratar cabelos e pele. Ambas as plantas receitadas por uma senhora italiana muito sábia e muito confusa, na casa dos 90 anos. 

Arnica era forte, encorpado, gordão mesmo, com uma agilidade e vitalidade de bailarino. Vivia besuntado de extrato de arnica para aliviar as dores musculares constantes. Sua presença era sentida à distância, pelo tamanho e pelo cheiro! Tinha os pés fortemente plantados no chão, lidava com as coisas práticas e os problemas de produção de um filme independente realizado no Brasil. De coração e bom humor maiores que seu corpinho de 136 quilos espalhados por 1,80 mts de altura, tinha uma gargalhada pronta e fácil para os fatos mais corriqueiros. Falante, era companhia agradável e sempre requisitada, ao mesmo tempo que era hábil nos negócios mirabolantes que sua função exigia. Conseguia pregos e sofás, bicicletas e paraquedas, figurantes e atores globais. Locações em praças, restaurantes, bibliotecas, prédios públicos e fábricas gigantescas, sempre negociando um crédito, uma aparição de destaque da mulher, da filha, ou da amante de algum figurão local. Merchandising era seu sobrenome!

Babosa era o oposto complementar. Alto, era obrigado a olhar todos de cima dos seus 2 metros de altura, magro, bonito e sonhador, galante e envolvente, tinha a habilidade de seduzir com os olhos verdes e fazer as pessoas acreditarem reais suas quimeras, comandando pela empatia, não pela força. Tinha fortes entradas no alto da testa, massageadas frequentemente pela baba da planta babosa. Para ele o cinema era a Sétima Arte, com letras maiúsculas e devaneios gigantes como castelos de areia e ilusão. Acreditava no que imaginava com a força da realidade, muitas vezes vivendo com os pés neste mundo e a cabeça no outro. As barreiras e dificuldades do cotidiano faziam parte do seu filme, da sua história, e lhe cabia conduzir a todos que o cercavam pelos cenários imaginários de suas emoções. Confiava em todos de coração, sem julgamentos ou arrependimentos, já que todos faziam parte do roteiro pré-determinado escrito na adaptação de sua mente ao mundo real. Imagem & Ação era o seu sobrenome!

Aos dois juntava-se uma trupe completa de atores, principais e coadjuvantes, diretor de fotografia, de arte, cenógrafo, continuista, assistente de produção, assistente de direção, maquiador, fotógrafo, iluminador, catering, maquinista, operador de cabo e auxiliares diversos. Ninguém recebia salário, trabalhavam para compor currículo, num sistema ad exitum, caso o filme fosse lançado comercialmente e rendesse dividendos, ou por amor à Arte. Arnica garantia hospedagem e alimentação nos hotéis e restaurantes locais em troca de gravações de cenas nos ambientes da cidade e menções honrosas nos créditos finais da película. Ele, Babosa e os atores, normalmente se hospedavam nos melhores hotéis e a equipe técnica ficava nos hotéis mais simples ou nas pensões. Essa era a maneira de fazer cinema no Brasil sem dinheiro.

O roteiro do filme, criado pelo próprio Babosa, era uma obra aberta que ia se adaptando aos cenários locais disponíveis, ao sabor do clima, do dia e da noite. Havia o momento de gravar a cena do encontro entre a mocinha e o galã que normalmente dava início a todo processo de filmagem numa localidade. Montavam o aparato com câmeras e microfones, trilhos, pedestais, cabides com figurinos, cabos e lâmpadas. Mais ou menos como levantar a lona de um circo mambembe. Cercavam a área com fitas amarelas e todos se posicionavam sob as ordens do diretor: – Atenção! Silêncio no set. Gravando…

O casal caminhava por uma rua enluarada, conversavam sorridentes trocando palavras decoradas e olhares enamorados. Ninguém emitia um som, o silêncio era estelar e a iluminação realçava a beleza do momento. O câmera acompanhava a cena com o seu equipamento deslizando sobre trilhos, empurrado, lentamente, por um ajudante agachado. Babosa olhava o resultado captado num monitor e interrompia uma e outra vez, dando conselhos e orientações carinhosos aos protagonistas, pedindo para que refizessem a tomada novamente… e novamente… e novamente…

Os moradores se aproximavam curiosos, desconfiados e depois fascinados. O que era aquilo? Era um teatro? Televisão? Não, cinema… Ficavam olhando admirados, boquiabertos, e logo a notícia corria, se espalhava como fogo em capim seco. Homens, mulheres, jovens e crianças de colo cercavam o local num alarido estridente e incontrolável. Arnica fazia valer o corpanzil e, com voz de tenor, exigia silêncio, sabendo-o impossível. A isca já havia sido engolida com anzol e tudo, e o peixe já estava no papo. Não que houvesse má intenção da parte deles. Era uma troca. Davam àquela gente um motivo de interesse, alegria e diversão, para receber acolhimento e atenção especial. 

Nem sempre eram bem recebidos! Certa vez chegaram numa localidade esquecida no norte de Minas Gerais, cansados e famintos. Montaram o set antes de fazer contato com as autoridades do município e foram interrompidos, ao iniciar os trabalhos, pelo delegado local que chegou do nada acompanhado de um sargento numa viatura de polícia, uma Chevrolet Veraneio branca e preta, diretamente saída dos anos 70! De óculos escuros, camisa listrada de golas largas e cabelo esticado de lado com algum tipo de goma oleosa e brilhante, o delegado Soares irrompeu a cena exigindo explicações. Acalmou-se quando explicaram o que faziam ali e, inclusive, incluiriam a ambos, o Soares e o sargento Bororó, na cena de ação que acabava de ser incorporada no roteiro e seria filmada naquele exato momento. Fizeram parte das filmagens naqueles dias também o Prefeito Apolinário, a primeira dama Risoleta e suas duas filhas, Mariluce e Ritaluce, o Padre Anésio e dois coroinhas, 4 beatas e, ainda, três bêbados no papel de bandidos. Hospedaram-se espalhados por todo vilarejo, na prefeitura, na igreja, no jornal de oposição local e no estábulo municipal, de acordo com a hierarquia da equipe.

Repetiam o processo a cada cidade, colhendo cenas de amor, paixão, ódio e vingança nos ambientes mais diversos e inusitados. Ruas e ladeiras, lojas de grifes e hospitais. Nos rios e cachoeiras, nas fazendas, ordenhando o leite ou colhendo o café. Usavam diversos sotaques e línguas, num painel cultural que contemplava todos os povos. Gravavam cenas de dança de salão em restaurantes com música ambiente. O conjunto, os garçons e os clientes faziam papel de figurantes, todos animadíssimos com a possibilidade de aparecer na tela gigante dos cinemas do país e, quem sabe, do mundo! Nesses momentos, todos comiam, bebiam e brindavam ao filme e aos prêmios nacionais e internacionais que ganharia. Gramado, Berlim, Cannes, o Oscar… Não havia limite para as possibilidades de sonho que estavam tornando vivas ali, naquele pedaço abençoado de mundo, com a colaboração de todos.

No fim dos trabalhos, despediam-se de todos, muitas vezes com discursos acalorados e bandas de música. Saíam da cidade com o carro e a camionete carregados de equipamentos e presentes, comida e bebidas, galinhas e ovos, queijos e linguiças. Ganhavam frutas e espigas de milho, cocadas e doces de leite, pães, broas e bolos, compotas e leite de cabra. E pinga, muita pinga, porque o interior do Brasil é movido a álcool, energia limpa e renovável. Deixavam para trás boas lembranças, paixões e amores, vez ou outra um filho. Seguiam adiante na direção que soprava o vento e o sol se punha, para retomar a rotina na próxima cidade, gravando cenas e mais cenas sem fim, com personagens de carne e osso, feitos de sonhos reais e esquecidos. Filmando onde houvesse uma praça, um coreto ou uma estória de amor, com uma pitada de mistério.

CaMaSa

Sorte

Sorte

 

Agradeço tive sorte extrema sorte 

nas horas ruins vi pessoas certas

nos momentos duros frios escuros

encontrei paixão dor e amor 

amigos vazios e nossas tristezas 

e dos inimigos de grande valor 

aprendi o que tinham para ensinar 

 

Tive sorte a sorte de um menino 

quando encontra luz pelo caminho 

a lâmpada ilumina o próximo passo 

esfregada concede um só desejo 

dinheiro poder fama sucesso glória 

escolhi o maior de todos desafios 

o conhecimento de mim mesmo 

 

Do alto da minha insignificância 

sei de onde vim o que sou onde vou

isso é o que sei e isso não é pouco 

finja que não entende o que digo

é mais fácil diga que estou louco 

uma gota rumo ao oceano amigo 

será lá que iremos nos encontrar

CaMaSa

Vício

Vício

 

Confesso, eu sou um viciado 

já não vivo sem doses diárias 

encontradas em local secreto 

na profundeza do meu peito 

 

São drogas muito poderosas

me levam para outros mundos

lindos como perfume de rosas

em viagens de três segundos

 

Eu mesmo encontro e fabrico

quem ensinou muito conhece

mas não dou vendo ou trafico 

servem para consumo próprio

 

Quanto mais utilizo mais gosto 

inspiro expiro a cada momento

consciência paz amor felicidade 

são as drogas do conhecimento

CaMaSa

Linda

Linda era todas as mulheres e todas as mulheres eram Lindas.

Linda não era linda. Também não era feia. Era uma moça normal com seus encantos. Não era gorda nem magra, alta nem baixa, rica nem pobre, nem muito jovem nem muito velha. Não tinha sorte no amor, nem no jogo, mas tinha o dom de trabalhar de graça como ninguém mais neste mundo! Passava seu tempo em atividades e serviços voluntários virtuais. Arrecadação de fundos para a reforma da pracinha do bairro, sopão para moradores de rua e convidados, com direito a banho e tosa dos pets, coral de igreja e bingo beneficente. Organizava arrecadação de fundos para creches, escolas e hospitais. Cuidava da logística para coleta de roupas, comida e produtos de higiene. Nada pessoal e analógico. Ela era, na maior parte do tempo, virtual. Do mundo tecnológico dos blogs e redes sociais vinha sua interação com as pessoas.

Os pais preocupavam-se mas, filha única que era e cheia de personalidade, fazia somente o que bem entendia e queria. Nada de negativo porém, que pudesse causar algum problema ou constrangimento, afinal tivera uma sólida formação familiar. Era só o fato de tudo ser virtual mesmo. Depois da escola elementar, 1º e 2º graus, nada de faculdade ou cursos presenciais. Fez cursos de História, Letras, Acupuntura, Informática, Bolos decorados, Psicologia animal e Jornalismo, todos virtuais. Aprendeu Patchwork com sacos plásticos, Artesanato tupi-guarani com plumas de galinha, pomba e peru, construção de computadores pessoais, tablets e smartphones com sobras de televisores e rádios de pilha, além de plantação de milho, feijão e cana-de-açúcar em copos descartáveis e garrafas pet. Formou-se Doutora Honoris Causa em Direito internacional dos ruivos nascidos no Afeganistão, churrasqueiros da província de Karnataka na Índia e fãs dos Beatles na Coréia do Norte. Muitas das causas defendidas não tinham aplicação prática alguma, mas sua capacidade nessas áreas era impressionante! Fez faculdade de Medicina Ortomolecular Psiquiátrica Nervo-ósseo-muscular virtual, especializando-se em operações cranianas à distância através de celular analógico. Não encontrou, até o momento, paciente que aceitasse realizar uma auto-operação recebendo as instruções através do seu Startac Motorola! 

Teve algumas paixões juvenis na adolescência sem maiores consequências. Tinha queda pelos fracos, oprimidos e desajustados. Apaixonou-se, platonicamente, pelo Alípio, filho da professora de matemática, que era usado pelos meninos da classe como apagador de lousa. Ele chegava na sala de braço dado com a mãe, com o blusão azul marinho do colégio brilhante de limpeza. Era magro e franzino, tinha o nariz adunco realçado pela cara fina, os cabelos lisos e loiros divididos ao meio e os olhos assustados como de um passarinho. No fim da aula, o quadro estava exaustivamente preenchido a giz por problemas que deveriam ser entregues resolvidos no dia seguinte. Irados, os garotos descontavam a frustração no pobre Alípio, que era erguido de ponta cabeça por meia dúzia de colegas e esfregado sem dó por todo quadro negro. A lousa ficava limpinha e seu blusão branquinho de pó! Linda não saia para o recreio e ficava com ele, em silêncio, batendo o giz do blusão. Olhava em seus olhos verdes, tristes e úmidos, e lia a alma de outro ser humano como ela, carente de atenção e carinho. A paixão terminou quando a professora foi transferida para outra cidade e levou junto seu filho.

Assim era Linda, um pouco como eu, um pouco como você, um pouco como todas as moças sonhadoras. Mais adulta, sem amigas reais de verdade, era um sucesso nas redes sociais! Triste e introvertida no trato pessoal, era divertida e expansiva no Twitter, no Facebook e no Instagram, no YouTube. Fazia amizade facilmente, seguia e era seguida por uma legião de colegas virtuais. Não fazia disso um meio de ganhar prestígio ou dinheiro, apenas buscava ajudar, ensinar, aprender e fazer amigos. Evitava política, polêmicas e chatos, que bloqueava sem perdão. Participava de enquetes e concursos, divulgava produtos de boa qualidade que tivesse testado e aprovado. Virou uma referência para quem quisesse comprar uma roupa, um sapato, um celular, um relógio ou um bom vinho. Um like seu num livro ou numa marca de iogurte significava milhares de vendas a mais. Um comentário negativo sobre uma loja virtual, por atraso na entrega de um produto ou pela baixa qualidade do atendimento via chat, exigiria desculpas pessoais dos proprietários das empresas e readequação das áreas problemáticas. Nem ela entendia como havia chegado a esse nível de influência, mas ocupava-se de todos os detalhes com extrema eficiência e responsabilidade.

Suas muitas amigas virtuais a procuravam para receber dicas variadas de moda e maquiagem, filmes, teatro e restaurantes, points para ver e ser vista. Tratava todas com muito carinho e atenção, jamais repetindo um modelo de vestido de festa ou a indicação de um bom partido para mais de uma futura esposa. Tornou-se tão entendida de casamentos e cerimônias que passou a ser consultada pelos noivos, futuros maridos, também. E foi assim que conheceu Bello e conheceu o amor.

Bello era extremamente belo e tinha a beleza extraordinária amplificada pelas redes sociais. Saia bem na foto, no filme, no sol ou na chuva, de jeans, de terno, de sunga. Malhava na academia particular de sua casa, brotando gotas de suor brilhantes sobre a pele bronzeada. Nadava na raia olímpica de sua piscina particular e se deixava admirar através das câmeras de vídeo espalhadas por pontos estratégicos de sua mansão nos jardins. Único herdeiro de 36% do maior banco particular do país, tinha a totalidade de suas necessidades atendidas pelo que havia de mais avançado em tecnologia. Não saía de casa por motivo algum, encomendando comida e bebida, roupas e acessórios, qualquer coisa que necessitasse online, inclusive serviços de qualquer espécie. Vivia completamente satisfeito em sua reclusão, até que conheceu Linda e conheceu o amor.

Duas pessoas tão especiais não viveriam uma paixão como eu e você, e a maioria dos mortais. Conheceram-se meio por acaso, navegando entre um tweet e uma selfie, um like e um share, até que de repente rolou um direct… 

Sem expectativas de início, logo se perceberam muito iguais em vários sentidos. Os emoticons foram evoluindo rapidamente de um simples positivo para risadas e gargalhadas até que, virada toda uma noite, despediram-se com corações vermelhos. Marcaram um encontro, virtual, para aquele mesmo dia, à noite, e passaram longas horas de apreensão pontuadas por mensagens dispersas aqui e acolá ao longo de toda manhã e tarde. Quando retomaram o bate-papo sentiam-se velhos conhecidos de grande intimidade. Com o passar dos dias foram se aproximando cada vez mais, até que resolveram assumir a relação para o mundo. Foi um tremendo burburinho nas redes sociais, com 90% exultantes com a união de sonho dos dois ícones virtuais, e 90% vertendo rios de lágrimas pela perda de partidos tão interessantes e tops. 

O casal passou a fazer tudo junto, cada um diante do seu iPhone, seu MacBook ou seu iMac. Cada um em sua casa, pois o que realmente os atraía tão intensamente era a certeza de que seguiriam virtualmente suas vidas, agora um em companhia do outro. Liam notícias e livros, assistiam filmes e séries, comiam pratos especiais acompanhados de bons vinhos, sempre próximos mas separadamente. Passavam noites inteiras se amando, ora loucamente com urgência e sofreguidão, ora mansamente com carinho e paixão, conduzindo um ao outro pelos seus corpos, com total conhecimento da necessidade e carência de cada um. Quem mais neste mundo poderia estar vivendo uma relação tão profunda e perfeita? 

O pedido de casamento era inevitável e aconteceu da forma mais romântica e ao mesmo tempo mais festejada. Foi um acontecimento de proporções tsunâmicas, abalando as estruturas das redes. Top trends do Twitter com milhões de retweets, tirou do ar o Face e travou o YouTube. Bello escolheu seu melhor ângulo, dividiu a tela com Linda, e transmitiu a nota fiscal do anel de brilhantes pelo WhatsApp. Mas infelizmente o matrimônio ficou só no pedido! Descobriu-se que Bello era fake, não existia no mundo real, era só uma invenção de um garoto de treze anos…

Linda despencou. No Face, no Insta, no Twitter, no YouTube… se ainda existisse Orkut tinha caído em desgraça também! Entrou em depressão mas não encontrou ajuda virtual. Sem o otimismo radiante perdeu o crédito junto aos anunciantes e seguidores. Aos poucos foi se desligando dos aparelhos de comunicação e começou a fazer coisas simples que há muito não fazia. Tomou um café da manhã com os pais, passou manteiga no pãozinho quente e sentiu o cheiro bom de suco de laranja espremida na hora, ouviu a algazarra de maritacas verdes voando em bandos, apitos e buzinas ao longe. 

Sentiu vontade de sair para a rua, caminhar e espairecer. Não andou nem dez metros e distraída deu um baita encontrão num rapaz que vinha em sua direção. Ele a segurou pelos braços, era alto, forte e musculoso, e ela se sentiu cômoda naquela situação. Quando o encarou, pronta para se desculpar, reconheceu os olhos verdes de Alípio imediatamente. Ele também a reconheceu e, com os olhos cheios de uma alegria contagiante, disse-lhe que há tempos estava à sua procura e que tinha muitas coisas para lhe falar…

CaMaSa

Senhor

Senhor

 

Senhor eu agradeço

 

por receber mais que mereço

por me mostrar a paz

mesmo eu sendo tão incapaz

por ensinar o que é sem preço

por me mostrar a clareza

ela é em mim a maior riqueza

por estes versos que eu teço

por me mostrar a bondade

ela é a ponte para a felicidade

por tudo que eu de ti conheço

por me mostrar a compaixão

finito e infinito em perfeita união

 

Senhor Senhora Energia

Inominável Tudo ou Nada 

eu agradeço

por este pedaço de história 

onde pude ver toda tua glória

CaMaSa

Se Você

Se Você

 

Se você não está em paz

respeite os que lutam por ela

 

Se você não sente o amor

respeite os que cantam por ele

 

Se você não agradece a vida

respeite os que entendem a morte 

 

Se você não aceita a derrota 

respeite os que partilham a vitória 

 

Se você não enxerga a luz 

respeite os que acendem a vela

 

Se você não ouve a melodia 

respeite os que dançam de alegria

 

Se você não conhece a si mesmo

respeite os que mergulham dentro

CaMaSa

O Sol do Interior

O Sol quebrava forte na roça, encharcando a terra de suor e trabalho, deixando-a mais roxa. A lida tinha início muito antes da noite terminar e só tinha fim quando o negrume do céu imperava. Ele era o oitavo filho dos catorze que a mãe trouxera ao mundo, por enquanto. Viviam amontoados no barraco de madeira, entre pais e filhos, em média dez pessoas, porque os mais velhos caíam no mundo e eram substituídos pelos que nasciam. Não havia dor na partida nem alegria no nascimento. Eram fatos comuns, como o Sol escondendo a Lua e as estrelas ou o feijão brotando do chão. Chamava-se Oitávio, era mais novo que o irmão Sétimo e mais velho que a irmã Nonia e começou a cavar o sustento aos cinco anos de idade. Da vida só conhecia o que as orelhas escutavam e os olhos enxergavam.

Ninguém saberia dizer há quanto tempo a família vivia naquelas bandas, provavelmente seus antepassados chegaram com os primeiros navios negreiros e foram adquiridos pelos grandes fazendeiros da região noroeste do Paraná. Quando os ares da libertação chegaram à região, alguns ex-escravos permaneceram por ali e herdaram, pelo uso contínuo e abandono dos proprietários, pequenos pedaços de terra onde plantavam a subsistência. Permaneceram isolados do mundo até a fundação do município de Santa Isabel do Ivaí, que teve sua fundação devida, sobretudo, aos diversos fluxos demográficos provenientes do Ciclo Cafeeiro do início do século XX no Estado do Paraná.

Entre 1948 e 1950, um grupo de desbravadores resolveu constituir uma companhia territorial com a finalidade de lotear e povoar a ‘Gleba 19’ da então ‘Colônia de Paranavaí’, justamente aproveitando o fluxo migratório provocado pela recente fundação desta. A empresa recebeu a denominação de “Companhia Imobiliária e Colonizadora Santa Isabel do Ivaí” por intermédio de um de seus gerentes ‘Alberico Marques Ferreira’, pois sua mãe se chamava Isabel e havia falecido naquele ano. O loteamento seguiu um plano técnico previamente traçado, iniciando-se com a venda das datas, acarretando no território um grande fluxo de migrantes tanto no perímetro urbano como na zona rural. Criado através da ‘Lei Estadual n° 253 de 26 de novembro de 1954’, o município foi instalado em 22 de novembro de 1955, desmembrado-se então de Paranavaí.

Alheio à história da nova cidade, Oitávio seguia a rotina familiar de sobrevivência nas zonas rurais apartadas do mundo urbano, arando, plantando e cultivando com as mãos cada vez mais calejadas o feijão, o milho e as raízes que o estômago pudesse digerir. Não tinha contato com ninguém além dos pais e irmãos, vivendo por conta dos parcos recursos, um severo código disciplinar de obediência. Uma das poucas diversões era a caça de passarinhos. Fazer armadilhas nas horas vagas, com varas de bambu atadas com fibras vegetais para pegar algum tiziu, era seu passatempo predileto. A mãe ralhava com ele, prevendo perigo.

Certa vez, não dando ouvidos à mãe, embrenhou-se no mato alto para caçar. Armou a arapuca no pé de uma árvore baixa e trepou num galho para aguardar uma presa. O dia ainda estava a uma hora de distância e logo a excitação transformou-se em cansaço. Cochilou por um breve instante, o suficiente para pender de lado e despencar de cima do galho. Caiu de cara na própria armadilha, rasgando a bochecha direita numa lasca de bambu. O corte largo abriu uma segunda boca ao lado da sua, jorrando sangue como das galinhas que sua mãe abatia com um golpe certeiro no pescoço. Correu para os pais, chorando e gritando apavorado, certo de que ia morrer. O pai o pegou no colo com um lençol enrolado na cabeça da criança e correu em disparada com o velho pangaré e o filho a tiracolo na direção do posto de saúde da cidade recém-criada.

Era a primeira vez que ele deixava sua casa e via outras construções, outras pessoas. Não foi a melhor maneira de conhecer outros seres humanos. Chorando e gemendo, assustado e envergonhado, submeteu-se aos procedimentos de urgência que os atendentes aplicavam com todas as dificuldades que os recursos mínimos do local criavam. Desinfetaram o local e costuraram o rasgo de 14 pontos da melhor forma possível, deixando uma cicatriz bem evidente e uma lição inesquecível. Na volta para casa, sob efeito dos anestésicos, pôde observar a cidade com suas casas e armazéns, praças e jardins bem cuidados. A topografia plana mostrava a construção mais alta do lugar, uma igreja e sua torre com não mais de quatro andares de altura, encimada por uma cruz. Chegou em casa temeroso da sova da mãe mas foi recebido por um abraço carinhoso. No dia seguinte retomou a rotina de trabalho, mas agora, sempre que podia, fugia para a cidade em busca de amizade e aprendizado, seguindo assim até os 17 anos, quando seu irmão mais velho, Segundio voltou para casa.

Era a primeira vez que um dos irmãos voltava para ver a família e este voltou falante e cheio de novidades. Trouxe lembranças simples para todos e até uma pequena quantidade de dinheiro para os pais. Contou que havia conhecido muitos lugares e estava estabelecido numa região próspera e montanhosa em São Paulo, nas proximidades de Minas Gerais. Deixou todos muito encantados, mas especialmente Oitávio, quando disse que lá se podia trabalhar debaixo da sombra servindo comida para as pessoas! 

Oitávio pediu permissão para os pais, despediu-se de todos e seguiu viagem com o irmão em direção a esse local encantado que tinha muitas possibilidades e um negócio chamado Hotel, que ele não fazia a menor ideia do que seria. Chegaram numa região aprazível e fresca, com muita água, de altos e baixos, muito diferente do perfil plano e achatado de sua terra natal. O tal Hotel era um prédio alto de 10 andares, cercado por várias construções incríveis e lagos de água azul, sem peixes, onde pessoas seminuas nadavam alegremente. Seu irmão o apresentou a diversos colegas e ao chefe, que o contratou como aprendiz, lavando pratos e panelas que vinham do imenso e movimentado restaurante. Aos poucos entendeu o funcionamento de tudo e passou a trabalhar como garçom, servindo comida e bebidas aos hóspedes, na sombra!

Conheceu muitas pessoas que vinham de todas as regiões do Brasil e do mundo, aprendendo sempre com cada um deles. Certa vez o escalaram para atender um cliente especial, que nunca fazia as refeições fora do quarto. Levou os pratos especialmente preparados sem carne e água mineral ao número da habitação indicada, tocou a campainha e aguardou. A porta foi aberta por um homem de estatura baixa, forte, de pele morena e traços orientais, lembrando um japonês. Soube depois que era da Índia, distante e místico país do outro lado do mundo. O hóspede, no entanto, falava inglês e Oitávio, com o que havia aprendido nos últimos anos atendendo estrangeiros, conseguiu comunicar-se com ele que, aliás, falava em letras de forma. Sentiu-se tão à vontade na presença de pessoa tão singular que não percebeu que já estava no quarto a mais tempo que devia. Isso não pareceu perturbar o hóspede que aparentemente estava lisonjeado com a situação e, para confirmar essa impressão, convidou-o para ver um quadro que estava pintando numa tela sobre um cavalete de madeira. Ele ficou surpreso com a beleza dos traços e cores do que parecia ser uma flor branca flutuando num fundo azulado.

De repente percebeu que sua hora já havia dado e despediu-se reverente, tocando a mão do outro com respeito e delicadeza. Comentou com os colegas sobre o homem que conhecera, mas ninguém o tinha visto ainda. Perguntando aos demais hóspedes, soube que ele faria uma palestra na cidade, em outro hotel, nessa mesma noite. Informaram também que o acesso era gratuito, que haveria tradução para o português, bastando somente se apresentar no local com antecedência para retirar os fones de ouvido. Curioso, pediu a um colega que o substituísse à noite, e seguiu para o local do evento de banho tomado e coração aberto.

No enorme salão, quase mil pessoas, a grande maioria hóspedes atendidos por ele no hotel, acomodavam-se nas cadeiras num rumor de expectativa agradável. Quando as luzes apagaram fez-se um grande silêncio, quebrado por uma explosão de aplausos quando o palestrante apareceu no palco. Humildemente ele pediu a todos que se sentassem e começou a falar de uma maneira incrivelmente simples sobre coisas complexas como a Vida, a Paz e o Autoconhecimento. Era tão claro que Oitávio tinha a impressão que nem precisaria usar o equipamento de tradução! Nas pausas de suas falas, o silêncio era total, numa atitude de muito respeito e admiração da plateia. Ao final, o orador despediu-se alegremente, deixando a todos com o coração leve e repleto de esperança.

O evento deixou Oitávio com um profundo sentimento de compreensão, uma luz solar interior a qual ele jamais tentou explicar para alguém ou para si mesmo. Entendeu a mensagem, aceitou o presente e guardou-o no coração como um tesouro muito valioso e único, só seu, mas que é expresso no tratamento que dispensa aos hóspedes, sempre amável e gentil.

CaMaSa